quinta-feira, 29 de julho de 2010

A ideologia pára-conciliar e suas conseqüências na Igreja.

Monsenhor Guido Pozzo, secretário da Comissão Pontifícia “Ecclesia Dei”, proferiu recentemente uma conferencia à Fraternidade de São Pedro sobre os “aspectos da eclesiologia católica no acolhimento do Concílio Vaticano II”. Apresentamos a parte conclusiva da referida conferência, particularmente interessante, uma vez que Mons. Pozzo se refere a um assunto de grande atualidade na vida da Igreja: o da interpretação do Concílio Vaticano II em continuidade com a Tradição doutrinal católica (um tema que está incluído entre aqueles que a Fraternidade São Pio X tratará com a Santa Sé nas atuais conversações doutrinais). Com grande clareza e lucidez, Mons. Pozzo denuncia a existência e as conseqüências do que chama “ideologia pára-conciliar”.

* * *


O que está na origem da interpretação da continuidade ou ruptura com a Tradição?

Está o que podemos chamar a ideologia conciliar ou, mais exatamente, pára-conciliar, que se apoderou do Concílio desde o princípio, sobrepondo-se sobre ele. Com esta expressão não se entende algo que diz respeito aos textos do Concílio, nem muito menos à interpretação dos sujeitos, mas sim o marco de interpretação global em que o Concílio foi colocado e que atuou como uma espécie de condicionamento interior na leitura sucessiva dos feitos e dos documentos. O Concílio não é, de fato, a ideologia pára-conciliar, mas na história dos acontecimentos da Igreja e dos meios de comunicação de massa logrou-se em grande medida a mistificação do Concílio, quer dizer, a ideologia pára-conciliar. Para que todas as conseqüências da ideologia pára-conciliar fossem manifestadas como evento histórico, foi necessário verificar a revolução do ano 1968, que assume como princípio a ruptura com o passado e a mudança radical da história. Na ideologia pára-conciliar, o ano de 1968 significa uma nova figura de Igreja em ruptura com o passado, embora as raízes desta ruptura estivessem presentes já desde algum tempo em determinados ambientes católicos.

Este marco de interpretação global, que se sobrepôs de modo extrínseco ao Concílio, pode ser caracterizado principalmente por esses três fatores:

1) O primeiro fator é a renúncia ao anátema, quer dizer, a contraposição entre ortodoxia e heresia.

Em nome da assim chamada ‘pastoralidade’ do Concílio, faz-se passar a idéia de que a Igreja renuncia à condenação do erro, à definição da ortodoxia em contraposição à heresia. Se contrapõe à condenação dos erros e ao anátema pronunciado pela Igreja no passado, sobretudo, aquele que é incompatível com a verdade cristã ao caráter pastoral do ensinamento do Concílio, que já não queria mais condenar ou censurar, mas sim exortar, ilustrar ou testemunhar.

Na realidade, não há contradição alguma entre a firme condenação e a refutação dos erros em matéria doutrinal e moral e a atitude de amor para quem cai no erro e de respeito à sua dignidade pessoal. Todavia, precisamente porque o cristão tem um grande respeito pela pessoa humana, empenha-se além de todo limite para libertá-la do erro e das falsas interpretações da realidade religiosa e moral.

A adesão à pessoa de Jesus Filho de Deus, a sua Palavra e a seu mistério de salvação, exige uma resposta de fé simples e clara, como a que se encontra nos símbolos da fé e na regra fidei. A proclamação da verdade da fé implica sempre também a refutação do erro e a censura das posições ambíguas e perigosas que difundem incerteza e confusão nos fiéis.

Portanto, seria errôneo e infundado considerar que, depois do Concílio Vaticano II, o pronunciamento dogmático e censurador do Magistério teve que ser abandonado ou excluído, assim como seria também equivocado considerar que a índole expositiva e pastoral dos Documentos do Concílio Vaticano II não implica também uma doutrina que exige o nível de assentimento por parte dos fiéis segundo o grau diverso de autoridade das doutrinas propostas.

2) O segundo fator é a tradução do pensamento católico às categorias da modernidade. A abertura da Igreja às instâncias e às exigências da modernidade (ver Gaudium et Spes) é interpretada pela ideologia pára-conciliar como necessidade de uma conciliação entre Cristianismo e o pensamento filosófico e ideológico cultural moderno. Trata-se de uma operação teológica e intelectual que volta a propor na substância a idéia do modernismo, condenado no início do século XX por São Pio X.

A teologia neomodernista e secularista tem buscado o encontro com o mundo moderno precisamente às vésperas da dissolução do “moderno”. Com a queda do assim chamado “socialismo real” em 1989, caíram aqueles mitos da modernidade e da irreversibilidade de emancipação da história que representavam os postulados do sociologismo e do secularismo. O paradigma da modernidade, de fato, foi sucedido hoje em dia pelo paradigma da pós-modernidade do “caos” ou da “complexidade pluralista”, cujo fundamento é o relativismo radical. Na homilia do então Cardeal Joseph Ratzinger, antes de ser eleito Papa, por ocasião da celebração litúrgica “Pro eligendo Pontifice” (18/4/2005), encontra-se em destaque o centro da questão: “Quantos ventos de doutrina temos conhecido durante estas últimas décadas, quantas correntes ideológicas!, quantas modas de pensamento!… A pequena barca de pensamento de muitos cristãos foi sacudida com freqüência por essas ondas, levada de um extremo a outro: Do marxismo ao liberalismo, até a libertinagem, do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, etc. Cada dia nascem novas seitas e se realiza o que diz São Pedro sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro (cf. Ef 4, 14). A quem tem uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, freqüentemente se aplica a etiqueta de fundamentalismo. Ao passo que o relativismo, quer dizer, deixar-se “levar à deriva por qualquer vento de doutrina”, parece ser a única atitude adequada nos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que deixa como última medida só o próprio eu e seus antolhos”.

Frente a este processo é necessário, antes demais nada, recuperar o sentido metafísico da realidade (cf. Encíclica Fides et ratio do Papa João Paulo II) e uma visão de homem e da sociedade fundada sobre valores absolutos, meta-históricos e permanentes. Esta visão metafísica não pode prescindir de uma reflexão sobre o papel na história da Graça, quer dizer, do sobrenatural, da qual a Igreja, Corpo Místico de Cristo, é depositária. A reconquista do sentido metafísico com o lumen rationis deve ser paralela ao sentido sobrenatural com o lumun fidei.

Pelo contrário, a ideologia pára-conciliar considera que a mensagem cristã deve ser secularizada e reinterpretada segundo as categorias da cultura moderna extra e anti-eclesial, comprometendo sua integridade, talvez com o pretexto de uma “oportuna adaptação” aos tempos. O resultado é a secularização da religião e a mundanização da fé.

Um dos instrumentos para mundanizar a religião constitui-se pela pretensão de modernizá-la, adequando-a ao espírito moderno. Esta pretensão tem levado o mundo católico a comprometer-se em um “aggiornamento”, que constituía em realidade em uma progressiva e às vezes inconsciente homologação da mentalidade eclesial com o subjetivismo e o relativismo imperantes. Isto levou a uma desorientação nos fiéis, privando-os da certeza da fé e da esperança na vida eterna, como fim prioritário da existência humana.

3) O terceiro fator é a interpretação do “aggiornamento” querido pelo Concílio Vaticano II.

Com a expressão “aggiornamento”, o Papa João XXIII quis indicar a tarefa prioritária do Concílio Vaticano II. No pensamento do Papa e do Concílio este termo não expressava, sem dúvida, o que por sua vez ocorreu em seu nome na recepção ideológica do pós-Concílio. “Aggiornamento”, no significado papal e conciliar, queria expressar a intenção pastoral da Igreja de encontrar os modos mais adequados e oportunos para conduzir a consciência civil do mundo atual a reconhecer a verdade perene da mensagem salvífica de Cristo e da doutrina da Igreja. Amor pela verdade e zelo missionário pela salvação dos homens estão na base dos princípios da ação de “aggiornamento” querida e pensada pelo Concílio Vaticano II e pelo Magistério pontifício sucessivo.

Por outro lado, desde a ideologia pára-conciliar, difundida, sobretudo, pelos grupos intelectualistas católicos neomodernistas e pelos centros mediáticos do poder mundano secularista, a expressão “aggiornamento” é entendida e proposta como a derrocada da Igreja frente ao mundo moderno: do antagonismo à receptividade. A Modernidade ideológica – que certamente não deve ser confundida com a legítima e positiva autonomia da ciência, da política, das artes, do progresso técnico – fixou como princípio o rechaço ao Deus da Revelação cristã e da Graça. Portanto, ela não é neutra em face à fé. O que fez pensar em uma conciliação da Igreja com o mundo moderno levou assim, paradoxalmente, ao esquecimento de que o espírito anticristão do mundo continua atuando na história e na cultura. A situação pós-conciliar foi descrita deste modo já por Paulo VI em 1972:

“A fumaça de Satanás entrou por alguma fissura no templo de Deus: E assim entraram a dúvida, a incerteza, a problemática e a inquietude. A dúvida entrou em nossas consciências e entrou por janelas que deveriam estar abertas à luz. Também dentro da Igreja reina este estado de incerteza. Pensava-se que depois do Concílio viriam dias de Sol para a história da Igreja. Em troca, veio um dia de nuvens, tempestade, escuridão, busca e incerteza. Como isso ocorreu? Confiamos-lhes nosso pensamento: Houve a intervenção de um poder adverso. Seu nome é diabo, este misterioso ser a que se faz alusão também na carta de São Pedro” (Paulo VI, homilia na Missa por ocasião do IX aniversário da coroação de Sua Santidade na solenidade de São Pedro e São Paulo, 29 de junho de 1972).

Por desgraça, os efeitos assinalados por Paulo VI não desapareceram. Um pensamento estranho entrou no mundo católico, semeando confusão, seduzindo a muitas almas e desorientando os fiéis. Há um “espírito de autodemolição” que infiltra o modernismo, que se apoderou entre outras coisas, de grande parte do periodismo católico. Este pensamento alheio à doutrina católica pode ser constatado, por exemplo, sob dois aspectos.

Um primeiro aspecto é uma visão sociológica da fé, quer dizer, uma interpretação que assume o social como chave de valoração da religião e que comportou uma falsificação do conceito de Igreja segundo um modelo democrático. Se observarmos as discussões atuais sobre a disciplina, sobre o direito, sobre o modo de celebrar a liturgia, não se pode evitar perceber que esta falsa compreensão da Igreja se difundiu entre os leigos e teólogos segundo o slogan: Nós somos o povo, nós somos Igreja (Kirche von unten). O Concílio, na realidade, não oferece nenhum fundamento a esta interpretação, uma vez que a imagem do povo de Deus referida à Igreja está sempre ligada à concepção da Igreja como Mistério, como comunidade sacramental do corpo de Cristo, composto por um povo que tem uma cabeça e por um organismo sacramental composto por membros hierarquicamente ordenados. A Igreja, portanto, não pode converter-se em uma democracia, na qual o poder e a soberania derivam do povo, já que a Igreja é uma realidade que provém de Deus e foi fundada por Jesus Cristo. Ela é intermediária da vida divina, da salvação e da verdade, e depende da soberania de Deus, que é uma soberania de graça e de amor. A Igreja é, ao mesmo tempo, dom de graça e estrutura institucional porque assim o quis o seu Fundador: chamando aos Apóstolos, “Jesus instituiu doze” (Mc. 3, 13).

Um segundo aspecto, sobre o qual peço a vossa atenção, é a ideologia do diálogo. Segundo o Concílio e a Carta Encíclica de Paulo VI Ecclesiam suam, o diálogo é um importante e irrenunciável meio para o colóquio da Igreja com os homens do próprio tempo. Porém, a ideologia pára-conciliar transforma o diálogo de instrumento em objetivo e fim primário da ação pastoral da Igreja, esvaziando cada vez mais de sentido e obscurecendo a urgência e o chamado à conversão a Cristo e à pertença a Sua Igreja

Contra tais desvios, é necessário reencontrar e recuperar o fundamento espiritual e cultural da civilização católica, quer dizer, a fé em Deus, transcendente e criador, providente e juiz, cujo Filho Unigênito se encarnou, morreu e ressuscitou para a redenção do mundo e infundiu a graça do Espírito Santo para a remissão dos pecados e para fazer aos homens partícipes da natureza divina. A Igreja, Corpo de Cristo, instituição divino-humana, é o sacramento universal da salvação e da unidade dos homens, da qual é sinal e instrumento, no sentido de unir aos homens a Cristo mediante seu Corpo, que é a Igreja.

A unidade de todo o gênero humano, da qual fala LG 1, não deve ser entendida, portanto, no sentido de alcançar a concórdia ou a reunificação das diversas idéias ou religiões ou valores em um “reino comum e convergente”, mas que se obtém reconduzindo a todos à única Verdade, da qual a Igreja Católica é depositária porque Deus mesmo a confiou. Nenhuma harmonização das doutrinas “estranhas”, mas um anúncio integral do patrimônio da verdade cristã, no respeito da liberdade de consciência, e valorizando os raios de verdade esparsos no universo das tradições culturais e das religiões do mundo, opondo-se ao mesmo tempo às visões que não coincidem e não são compatíveis com a Verdade, que é Deus revelado em Cristo.

Concluo voltando às categorias interpretativas sugeridas pelo Papa Bento no Discurso à Cúria Romana, mencionado no início. Estas não fazem referência ao esquema ternário habitual e obsoleto (conservadores, progressistas, moderados), mas se apóiam sobre um binário estranhamente teológico: duas hermenêuticas, a da ruptura e a da reforma na continuidade. É necessário seguir esta última direção ao afrontar os pontos controversos, liberando, por assim dizer, o Concílio do pára-Concílio que se mesclou a ele, e conservando o principio da integridade da doutrina católica e da plena fidelidade ao depósito da fé transmitido pela Tradição e interpretado pelo Magistério da Igreja.

Visto em: Fratres in Unum

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Caravana “Terra de Santa Cruz” perseguida pelo movimento homossexual

Resumindo: a caravana do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, que está viajando por diversas cidades do Brasil esclarecendo o povo sobre o PNDH-3 e colhendo assinaturas contra este nefando Plano do Governo, foi agredida em Ribeirão Preto por uma moça que se apresentou como presidente do movimento homossexual. “Vou chamar todos os homossexuais da cidade e nós vamos fazer uma revolução aqui”. E eles vieram.

Foi bonito. Enquanto os católicos rezavam e cantavam, os “revolucionários” gritavam e debochavam dos jovens. E a população apoiava a Caravana Terra de Santa Cruz, e se manifestava contra o PNDH-3. Que a Virgem Santíssima abençoe esta empreitada! E que recompense aqueles que são perseguidos. Que Ela nos dê força, e virtude contra os Seus inimigos.

Visto em: Deus lo Vult

A fantástica tolerância dos militantes gayzistas. Assistam:

domingo, 18 de julho de 2010

O Cardeal Ratzinger e Fátima.

Segundo o Cardeal Ratzinger, no comentário publicado pelo Vaticano que acompanha o texto do Terceiro Segredo, “quem estava à espera de impressionantes revelações apocalípticas sobre o fim do mundo ou sobre o futuro desenrolar da história, deve ficar desiludido. Fátima não oferece tais satisfações à nossa curiosidade…”. Alguns críticos vêem nisso uma contradição a uma quantidade considerável de evidências registradas, inclusive de testemunhos antigos do próprio Cardeal Ratzinger.
O então Cardeal Joseph Ratzinger emitia algumas opiniões  desencontradas sobre o assunto Fátima.

O então Cardeal Joseph Ratzinger emitia algumas opiniões desencontradas sobre o assunto Fátima.

Numa entrevista publicada na edição de 11 de novembro de 1984 da revista Jesus, o Cardeal Ratzinger foi questionado se havia lido o texto do Terceiro Segredo e por que ele não havia sido revelado. Ratzinger reconheceu que havia lido o Terceiro Segredo e afirmou que ele, em parte, envolve a “importância dos novissímos” e “perigos ameaçando a fé e a vida dos cristãos e, portanto, (a vida) do mundo”. Ratzinger também comentou que “se ele ainda não foi revelado — ao menos na época — é a fim de impedir que as profecias religiosas sejam mal interpretadas por uma busca pelo sensacional”. Além disso, um artigo de jornal citou o antigo embaixador filipino no Vaticano, Howard Dee, afirmando que o Cardeal Ratzinger pessoalmente o confirmou que as mensagens de Akita e Fátima são “essencialmente a mesma”. A profecia de Akita, em parte, contém o seguinte: “A obra do demônio se infiltrará até mesmo da Igreja, de tal modo que se verá cardeais contra cardeais, bispos contra bispos. Os padres que Me venerarem serão desprezados e sofrerão oposição de seus confrades… igrejas e altares [serão] saqueados; a Igreja estará repleta daqueles que aceitam compromissos e o demônio pressionará muitos padres e almas consagradas a deixar o serviço do Senhor”.

Letter #28, 2010 — 93rd Anniversary, de Robert Moynihan, editor da Revista Inside the Vatican

Fonte: Fratres in Unum

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Congregação para a Doutrina da Fé apresenta modificações introduzidas no Motu Proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela”.

Cidade do Vaticano, 15 jul (RV) – A Congregação para a Doutrina da Fé publicou, nesta quinta-feira, algumas modificações introduzidas no Motu Proprio “Sacramentorum sanctitatis tutela”, de 2001.

As principais modificações dizem respeito aos delitos considerados gravíssimos pela Igreja, como os delitos contra os sacramentos e de abuso sexual, e foram divulgadas em três documentos: a Carta da Congregação, assinada pelo Prefeito, Card. William J. Levada, e pelo Secretário, Dom Luis Ladaria, enviada aos bispos; uma breve nota, sempre da Congregação da Doutrina da Fé, acerca das modificações introduzidas; e uma introdução histórica às normas do Motu Proprio“Sacramentorum sanctitatis tutela”.

A propósito, o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, divulgou uma nota sobre o significado dessas “Normas”.

“As normas da ordem canônica para tratar os delitos de abuso sexual de membros do clero em relação a menores foram publicadas hoje de forma orgânica e atualizada, em um documento que se refere a todos os delitos que a Igreja considera excepcionalmente graves e, por isso, são submetidos à competência do Tribunal da Congregação para a Doutrina da Fé: além dos abusos sexuais, se trata de delitos contra a fé e contra os sacramentos da eucaristia, da penitência e da ordem.

As normas sobre os abusos sexuais prevêem, em especial, procedimentos mais rápidos para enfrentar com eficácia as situações mais urgentes e graves, e permitem a inserção de leigos no quadro de funcionários dos tribunais; portanto, a penalidade de dez a vinte anos equipara o abuso contra pessoas com limitado uso da razão àquele sobre menores, introduzindo o delito de ‘pedopornografia’. Repropõe-se a normativa sobre o caráter confidencial dos processos, para tutelar a dignidade de todas as pessoas envolvidas.

Tratando-se de normas internas da ordem canônica, ou seja, de competência da Igreja, não tratam o argumento da denúncia às autoridades civis. Todavia, o respeito por quanto previsto pelas leis civis faz parte das indicações dadas pela Congregação para a Doutrina da Fé já a partir das fases preliminares da gestão dos casos de abuso, como resulta nas “Diretrizes” publicadas a respeito.

A Congregação para a Doutrina da Fé também está trabalhando em demais indicações para os episcopados, para que as diretrizes por ela emanadas sobre os abusos sexuais contra menores por parte do clero ou em instituições ligadas à Igreja sejam sempre mais rigorosas, coerentes e eficazes.”

O documento da Congregação ainda não foi traduzido em português, para consultá-lo em outras línguas, acesse o site www.vatican.va

Fonte: Fratres in Unum

O que pensa o novo chefe do Ecumenismo.

Excertos de entrevista concedida por Dom Kurt Koch à Gaudium Press:

GP – O card. Kasper, na sua última coletiva para a imprensa como presidente, ressaltou que o diálogo com as Igrejas e as Comunidades Protestantes tem perdido “seu entusiasmo”. Também o diálogo com a Igreja ortodoxa em certos pontos não é fácil. Em sua opinião, quais são as primeiras exigências?

Dom Koch, novo presidente do Conselho Pontifício para a Promoção  da Unidade dos Cristãos.

Dom Koch, novo presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

Nos 40 anos do ecumenismo depois do Concílio Vaticano II os nossos parceiros mudaram muito. Por exemplo, nas Igrejas Reformadas não temos mais este desejo de unidade como havia no período antes e depois do Concílio. Eu observo algumas tensões para o retorno a uma teologia liberal, não a uma teologia dogmática. É um grande desafio que não se satisfaz com a realidade de hoje. De muitos reformadores eu tenho a impressão que querem a contínua aceitação das Igrejas e a concelebração eucarística. Depois disto teremos já o fim do ecumenismo. Para mim não é assim. Porque a Igreja que nós confessamos na Confissão Apostólica: “una, santa, católica e apostólica”, não é a soma de todas as Igrejas que temos no mundo. Sobre este ponto de vista, a unidade da Igreja é uma obra do homem para construir a soma de todas as Igrejas. Para mim, unidade na fé é unidade no organismo do Corpo de Cristo. Porque quero um pouco mais no ecumenismo que alguns representantes das Igrejas Reformadas. Porque é muito necessário aprofundar também a espiritualidade do ecumenismo. Porque Jesus disse que todos devem ser unidos para que “o mundo possa crer”. E isto quer dizer que a realidade na unidade das Igrejas deve ser visível, e uma realidade invisível.

E a segunda coisa é que nesses 40 anos surgiram novas diferenças. No início do diálogo tivemos diversas diferenças na fé, nas confissões da fé. Hoje temos novas diferenças, principalmente em nível ético. Todas as perguntas da bioética, também o fenomeno da homossexualidade. Há um grande desafio em todo o ecumenismo. Vê-se o contexto dos anglicanos que estão próximos a uma divisão sobre isto.

GP – Então o que divide mais no diálogo ecumênico é a ética e não a teologia dogmática?

Sim.

[...]

GP – Estas duas visões influenciam também o comportamento na liturgia. Como deve se entender a liturgia hoje?

Tudo o que as pessoas dizem de novo depois do Concílio Vaticano II não era tema da Constituição sobre a Liturgia. Por exemplo, celebrar a eucaristia de frente aos fiéis nunca foi o tema da tradição. A tradição sempre foi celebrar em direção ao leste, porque esta é a vista da ressurreição. Na Basílica de São Pedro, se celebrava há tempos de frente para as pessoas, porque aquela direção era a direção voltada para o leste. A segunda coisa é a língua vernacular. O Concílio quis que o latim permanecesse como a língua da liturgia.

Mas todas as coisas muito profundas, fundamentais da Constituição litúrgica, não são ainda conhecidas por muitos. Por exemplo, toda a liturgia e a liturgia da Páscoa. A Páscoa do mistério, da morte e da ressurreição de Jesus Cristo. Não se pode celebrar a Páscoa sem sacrifício, e este é o tema que se coloca na teologia. Porque também a Constituição sobre a revelação não é ainda acolhida na Igreja. Temos ainda muito a fazer para apropriar o Concílio.

Visto em: Fratres in Unum

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Dom Fernando acolhe e apóia católicos que assistem à Missa Tridentina

Jorge Ferraz, Claudemir Júnior, Emílio Filho, Hugo Siqueira, Simone

Montfort, Dom Fernando Saburido, Gustavo Souza, Família Gonçalves

(Glauco, Daniele e João Lucas ao colo), Coronel Heráclito

Profundamente abalados com o fim da celebração da Missa Tridentina em Recife, alguns católicos – uma comissão representativa dos fiéis que há anos assistem esta missa – tiveram uma audiência esta manhã, perto das dez horas, com Sua Excelência Reverendíssima Dom Fernando Saburido, na Cúria Metropolitana. Enquanto alguns entraram para a audiência episcopal, outros ficaram do lado de fora aguardando o seu desfecho.

Das mais diversas faixas etárias (de crianças de colo a senhores de mais de cinqüenta anos), de diversas paróquias da Arquidiocese, estes fiéis foram respeitosamente apresentar a Sua Excelência a sua perplexidade com o fim da celebração da Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano.

Levamos testemunhos dos frutos que têm sido alcançados por meio desta Missa. Famílias foram formadas em torno a ela; crianças, neste rito, foram batizadas. Pessoas afastadas da Igreja há décadas encontraram-se, finalmente, na celebração do Santo Sacrifício do Altar segundo as rubricas antigas, e voltaram à prática da Religião Verdadeira ao verem a piedade deste rito e ao serem nutridas pelas homilias do reverendíssimo padre que a celebrava.

Manifestamos todo o nosso amor e a nossa solidariedade para com o sacerdote, pe. Nildo, “diretor espiritual de alguns, confessor permanente de muitos e pai espiritual de todos”. Testemunhamos a sua fidelidade ao sacerdócio, o seu amor à Igreja, a sua dedicação àqueles que a Divina Providência lhe confiou. Um exemplo de sacerdote, sem sombra de dúvidas, pelo qual sempre agradecemos a Deus em privado e em favor do qual, hoje, falamos abertamente diante do Metropolita.

Queixamo-nos das incompreensões com as quais nós, católicos ditos “tradicionalistas” desta Arquidiocese, somos tratados. Das insinuações de que provocamos divisão no rebanho, passando pelas acusações de sermos fechados e avessos ao diálogo, e chegando até a calúnias gratuitas como a de ensinarmos que “a Sé de Pedro está vacante”. Queixamo-nos, de tudo isso, ao Arcebispo Metropolitano, que nos ouviu amável e paternalmente.

Reafirmamos o nosso mais ardente amor à Igreja e o nosso desejo sincero de estarmos em comunhão incondicional com o Santo Padre, o Vigário de Cristo na Terra, e com o nosso bispo em comunhão com o Papa. Rejeitamos todas e cada uma das acusações injustas que nos eram feitas. Afirmamos que os excessos, se os há, devem ser tratados como casos particulares que são – e não aplicados por meio de generalizações absurdas a todos os fiéis que se nutrem da espiritualidade tradicional da Igreja.

Somos provavelmente – como foi colocado para o senhor Arcebispo – o mais heterogêneo grupo de católicos desta Arquidiocese. De paróquias distantes (alguns inclusive de outras cidades e municípios), de atividades pastorais diversificadas (há pessoas que são catequistas, que fazem pastoral com drogados, que realizam missões, etc.), tendo em comum o amor à Santa Missa celebrada em Sua Forma Extraordinária. Não queremos senão ser católicos.

Sua Excelência nos concedeu a sua compreensão e a sua solicitude de Pastor. Disse que tínhamos o seu apoio. Garantiu-nos que iria intervir para que a Santa Missa na Forma Extraordinária continuasse a ser celebradaDeo Gratias. Solidarizou-se com as nossas queixas, e prometeu-nos tomar providências a fim de que cessem as perseguições e animosidades. Despedimo-nos, rogando a sua bênção e reafirmando a nossa filial submissão àquele que foi designado pelo Santo Padre para nos pastorear.

Obrigado, Dom Fernando Saburido, pelo apoio dado aos católicos tradicionais desta Arquidiocese. Obrigado, Dom Fernando Saburido, pelo apoio concedido à Santa Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano.

Fonte: Deus lo Vult

O juízo de Monsenhor Brunero Gherardini sobre o debate teológico entre Tradição e o Concílio Vaticano II.

Mons. Brunero Gherardini, cônego da Basílica de São Pedro e  postulante da causa de canonização do Beato Pio IX, também questinou a  aceitação da validade do cânon de Adai e Mari, que omite as palavras da  consagração, pela Congregação para a Doutrina da Fé.

Monsenhor Brunero Gherardini, cônego da Basílica de São Pedro e postulante da causa de canonização do Beato Pio IX, também questinou a aceitação da validade do cânon de Adai e Mari, que omite as palavras da consagração, pela Congregação para a Doutrina da Fé.



DICI
– Na edição de maio de 2010 de Courrier de Rome (n°333), Professor Paolo Pasqualucci oferece um comentário esclarecedor sobre o estudo de Monsenhor Brunero Gherardini publicado na revista teológica Divinitas sob o título Quod et tradidi vobis – La tradizione vita e giovinezza della Chiesa (Quod et tradidi vobis. A tradição, vida e juventude da Igreja), um estudo que também foi republicado em um volume por Casa Mariana Editrice.

Monsenhor Gherardini, autor de Vaticano II: Un discorso da fare, publicado em francês no início desse ano, apresenta em Quod et tradidi vobis uma análise muito pertinente do debate teológico entre a Tradição e o Concílio Vaticano II. Aqui está o amplo extrato que pode ser encontrado em Courrier de Rome, oferecendo uma lista de 9 dificuldades; a esta lista nós acrescentamos os três parágrafos que seguem, onde Monsenhor Gherardini não hesita em transmitir um julgamento pessoalmente muito explícito.

“Em meu esforço em estabelecer uma síntese de posições defendidas por Dom Lefebvre em favor da Tradição, e sem pretender tratar exaustivamente do assunto, parece-me que o conflito se estabelece da seguinte maneira:

  1. Uma formação sacerdotal que encontrou seus princípios na Tradição eclesiástica e nos valores sobrenaturais da Revelação divina, frente a uma formação sacerdotal aberta ao horizonte flutuante de uma cultura em perpétuo estado de devir.

  2. Uma liturgia que certamente tem um ponto forte na Missa dita tradicional, frente a uma liturgia antropocêntrica e sociológica [a do Novus Ordo da missa], na qual o coletivo prevalece sobre o valor do individual, a oração ignora o aspecto latrêutico, a assembléia torna-se o ator principal e Deus dá lugar ao homem.
  3. Uma liberdade que faz sua “libertação” depender do Decálogo, dos mandamentos da Igreja, das obrigações do dever de estado e do dever de conhecer, amar e servir a Deus, frente a uma liberdade que coloca todas as formas de culto em pé de igualdade, silencia a respeito da lei de Deus, desobriga os indivíduos e a sociedade sobre domínios éticos e religiosos e deixa a solução de todos os problemas exclusivamente à consciência.
  4. Uma teologia que reúne seu conteúodo de fontes específicas (Revelação, Magistério, Patrística, Liturgia), frente a uma teologia que abre bem os seus braços, dia após dia, às emergências culturais do momento, mesmo àquelas que claramente contradizem as fontes recém mencionadas.
  5. Uma soteriologia (nota do editor: estudo da obra da salvação) estreitamente unida à pessoa e à obra redentora do Verbo Encarnado, à ação do Espírito Santo, intimamente ligada à aplicação dos méritos do Redentor, à intervenção sacramental da Igreja e à cooperação dos fiéis batizados, frente a uma soteriologia que considera a unidade do gênero humano como consequência da encarnação do Verbo, em quem (cf GS 22) cada homem encontra sua própria identificação.
  6. Uma eclesiologia que identifica a Igreja com o Corpo Místico de Cristo e reconhece em Sua presença sacramental o segredo vital do ser e do agir eclesial, frente a uma eclesiologia que considera a Igreja Católica como um componente, entre outros, da Igreja de Cristo, e que, nessa fantasmagórica Igreja de Cristo, adormece o espírito missionário, dialoga mas não evangeliza, e acima de tudo, renuncia o proselitismo como se fosse um pecado mortal.
  7. Um Sacrifício expiatório da Missa, que celebra os mistérios da paixão, morte e ressurreição de Cristo, representando sacramentalmente a redenção satisfatória, frente a uma Missa na qual o padre é apenas um presidente e todos tomam uma parte “ativa” no sacramento, graças ao fato de que a fé não é encontrada em Deus que Se revela, mas numa resposta existencial feita a Deus que nos interpela.
  8. Um Magistério consciente de ter o múnus de guardar o sagrado depósito da Revelação divina com o dever de interpretá-lo e transmiti-lo às gerações futuras, frente a um Magistério Papal que, longe de se sentir a voz da Igreja docente, sujeita a própria Igreja ao colégio dos bispos, dotado dos mesmos direitos e deveres do Romano Pontífice.
  9. Uma religiosidade que compreende a vocação comum ao serviço de Deus e, por amor a Ele, o serviço aos irmãos na humanidade, frente a uma religiosidade que inverte essa ordem natural, faz do homem seu centro e, se não em teoria, ao menos na prática, coloca-o em lugar de Deus.

“Do que acaba de ser dito, pode-se facilmente deduzir como a Fraternidade São Pio X compreende a Tradição. Realmente, a Tradição é exatamente o que a Fraternidade não nega ou se opõe. Diretamente ou nas entrelinhas, a Fraternidade rejeita as inogações dos documentos do Concílio e suas aplicações pós-conciliares, e permanece em oposição ao uso selvagem que tão casualmente foi feito deles.

“É verdade que nos escritos da Fraternidade São Pio X o conceito de Tradição não freqüentemente é explicado, e nós não o encontramos desenvolvido sistematicamente. Mas o que se compreende, assim como o que se conjetura, nunca permanece em sombras. Como fundamento de tudo está “a fé de sempre” para cuja salvaguarda nasceu a Fraternidade”. “Salvaguarda” indica uma oposição a algo presente ou possível, em favor de seu contrário ou de sua substituição. A “fé de sempre” é o valor que Monsenhor Lefebvre quis salvaguardar, um valor que está sendo substituído por todas as atenuações, reinterpretações, reduções e negações do período conciliar e pós-conciliar. A “fé de sempre” é o eco alto e claro do ensinamento agostiniano resumido pelas palavras de São Vicente de Lérins: “Quod semper, quod ubique, quod ab omnibus creditum est”[1]. A própria ereção da Fraternidade, com seu objetivo primeiro que é a formação sacerdotal, obedece a este grande ideal e ao comprometimento de salvaguardá-lo. Salvaguardar a fé e combater o erro.

“Não entrarei em detalhes sobre as relações e dificuldades entre a Santa Sé a Fraternidade São Pio X. Atenho-me ao tema comum da Tradição e observo que “salvaguardar a fé e combater o erro” deveria ser o ideal e o comprometimento tanto da Igreja como de seus filhos. À essa luz, é difícil, para mim, compreender como a acusação de uma “incompleta e contraditória Tradição” formulada por João Paulo II em 1988 [2] poderia ter alguma base verdadeira. O que compreendo é que ela não tem nada a ver com o “espírito de Assis”. [3] (Traduzido do Italiano — DICI n°218, July 10, 2010)

Courrier de Rome – B.P. 10156 – 78001 Versailles Cedex or courrierderome@wanadoo.fr – Assinatura: 20 euros (Exterior: 24 euros)

Msgr. Brunero Gherardini, Ecumenical Council Vatican II: And Open Discussion – disponível em Courrier de Rome: 15 euros + 3 euros frete


[1] St. Vincent de Lérins, Commonitorium, c. 23.

[2] Motu Proprio Ecclesia Dei, July 2, 1988.

[3] Msgr. Gherardini, Quod et tradidi vobisLa tradizione vita e giovinezza della Chiesa, Ed. Casa Mariana Editrice, pp. 241-244.

Visto em: Fratres in Unum

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Unidade Litúrgica nos Livros Sagrados e nos Sacramentos.

Um belíssimo e interessante artigo sobre liturgia que li no jornal "Correio da Semana" da Diocese de Sobral. Belo porque traz os aspectos de integração litúrgica entre todos os rituais da Igreja e todas as Missas no mundo e na história, e interessante porque dimensiona a importância de liturgia voltada para os dias atuais.

***
A Liturgia une a Terra ao Céu

A Liturgia terrestre, em todos os seus atos, é um reflexo da liturgia celeste. Nossos louvores sobrem ao céu e unem-se aos dos santos e dos anjos, pois, como único corpo místico de Cristo, uma única comunhão dos santos e uma única Igreja Santa e Católica, nossas atitudes de reverência a Trindade devem ser apresentadas como se fossem um só cântico: multiplicam-se as vozes, mas o hino é uníssono!

Nas diferentes ações litúrgicas, essa unidade se reflete de diversos modos. Dessa forma, na administração dos sacramentos, por exemplo, também o céu se une à terra, sendo sinais visíveis da graça invisível, que nos foi conquistada na cruz, e esta uma ponte que une as realidades terrenas e celestes, os sacramentos são verdadeiros canais que partem de Deus para nós. Vale ressaltar que a graça nos foi merecida pelo sacrifício único de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz, constituindo-se tal oferta uma ponte para o Trono de Deus. Os sacramentos, anais dessa graça, fluem de Deus e nos banham com a mesma graça que produzem e significam. Por isso são os bens dados do céu aos servos amados de Deus na terra, por meio dos quais chegamos ao céu; eis as relações entre as duas Igrejas, triunfantes e militantes – e até a padecente no purgatório.

Por sua vez, na Liturgia das Horas, entoamos salmos e hinos que se unem àqueles eternamente cantados pelos anjos do céu. “Na minha visão ouvi também ao redor do trono, dos Animais e dos anciãos, a voz de miríades de miríades e de milhares de milhares, bradando em alta voz: "Digno é o Cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor. E todas as criaturas que estão no céu, na terra debaixo da terra e no mar, e tudo contém, eu as ouvi clamar: Aquele que está assentado no Trono e ao Cordeiro, louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos. E os quatro animais diziam: Amém, e os anciãos prostravam-se e adoravam" (Ap. 5,11-45). A cada hora canônica celebrada no Ofício Divino, somam-se às vozes, e todos se congregam numa só comunidade em adoração ao Deus Eterno. Das lições da Liturgia das Horas, retiramos as preciosas leituras da Sagrada Escritura, dos padres da Igreja e dos Santos, que nos dão a esperança de participar um dia da Igreja celeste que, em coro, tributa louvores ao Criador.

A Unidade entre o céu e a terra é fato em todas as ações litúrgicas. Não seria diferente na Santa Missa, liturgia por excelência! Se os sacramentos partem da Cruz, ponte entre o céu e a terra, entre Deus e os homens, e atestam a unidade entre os terrestres e os celestes, há muito mais razão em afirmar a plena comunhão quando a própria Cruz, não apenas seus sinais, se faz presente. E a Missa, sabemos, é a Cruz tornada presente; nesse momento, o céu e a terra se unem e os anjos participam da cerimônia! O Santo sacrifício celebrado é a porta que nos leva ao céu: estando aberta, temos acesso às maravilhas celestes, e miríades de anjos os rondam as Igrejas e os altares quando o padre oferece Jesus Cristo ao Pai por nossos pecados.

Eis a opinião de São João Crisóstomo, opinião aprovada por São Gregório, no quarto de seus Diálogos, que "no momento em que o padre celebra a Missa, os céus se abrem e multidões de anjos descem do Paraíso para assistir o Santo Sacrifício". São Nilo Abade, discípulo do mesmo São João Crisóstomo, afirma que "via quando este Santo doutor celebrava uma grande multidão daqueles espíritos celestes assistindo o ministro sagrado em sua augusta função".

Na Santa Missa, a Igreja mostra sua unidade, pois o sacrifício é único! Jesus não morre várias vezes, mas apenas uma vez na Cruz, e seu sacrifício é único e suficiente. A Missa o atualiza: É o mesmo sacrifício, e não um outro. E o sacrifício é único, a Igreja de todos os tempos, lugares e condições, do céu e da terra, que o oferece, também é única, pois está oferecendo um só sacrifício, no qual também se encontra sua unidade sobrenatural.

Ao participarmos de uma Missa hoje, p. ex. no Ceará, nós nos unimos ao fiel que participou da Missa a dois séculos atrás, na China, e ambos estamos unidos aos santos do céu e às almas do Purgatório. Anjos, homens da Igreja militante, da Igreja triunfante, da Igreja padecente, todos nos unimos em cada missa celebrada, atualização do único sacrifício oferecido.

Fonte: O Ultrapapista Atanasiano

A Valente Análise da Reforma Litúrgica Conciliar pelo Arcebispo Dom Malcolm Ranjith.

“O Consilium foi influenciado por tendências inovadoras”

Dom Malcolm Ranjith foi o autor do prólogo da edição inglesa do livro “O Cardeal Ferdinando Antonelli e desenvolvimento da Reforma Litúrgica de 1948 a 1970” de autoria de Monsenhor Nicola Giampietro. Agora oferecemos nossa tradução do texto completo deste prólogo no qual Dom Ranjith, com grande valentia, realiza uma análise precisa da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, pleiteando a grande necessidade de reformar a reforma conciliar. Este precioso prefácio foi escrito em 2008 e aponta para uma importante reflexão sobre os trabalhos conciliares.

Tradução: Carlos Eduardo Maculan

Até que ponto a reforma litúrgica pós-conciliar reflete em verdade a “Sacrosanctum Concilium”, a Constituição do Vaticano II sobre a Sagrada Liturgia? Esta é uma questão que minuciosamente tem sido debatida nos círculos eclesiásticos desde o mesmo momento em que o “Consilium ad Exequendam Constitutionem de Sacra Liturgia” [cujo secretário geral foi Mons. Annibale Bugnini] encerrou seu trabalho. Nas últimas décadas, tem sido debatido, inclusive, com maior intensidade. E enquanto alguns sustentam que o que foi realizado pelo “Consilium” estava em linha com aquele grande documento, outros se hão mostrado totalmente em desacordo.

Na busca de uma resposta a esta questão, devemos ter em conta a atmosfera turbulenta dos anos que seguiram imediatamente ao Concílio. Em sua decisão de convocar o Concílio, o Papa João XXIII havia desejado que a Igreja se preparasse para o novo mundo que estava emergindo após a desgraça dos desastrosos acontecimentos da II Guerra Mundial. Ele previu profeticamente o surgimento de uma forte corrente de materialismo e secularismo a partir das orientações internas da época precedente, que havia sido marcada pelo “espírito da ilustração” (Iluminismo), e na qual os valores tradicionais da antiga visão de mundo haviam começado a ser sacudidos. A revolução industrial, junto com suas tendência filosóficas, antropocêntricas e subjetivistas, especialmente derivadas da influência de Kant, Hume e Hegel, levaram ao surgimento do marxismo e do positivismo. Isto também provocou a aparição da crítica bíblica, relativizando até certo ponto a veracidade das Sagradas Escrituras, o que por sua parte teve influências negativas na teologia, gerando uma atitude que questionava a objetividade da Verdade estabelecida e a utilidade de defender as tradições e instituições eclesiásticas. Algumas escolas de teologia se atreveram, inclusive, a questionar doutrinas básicas da Igreja. Em realidade, o modernismo já havia sido anteriormente uma fonte de perigo para a fé. É neste cenário que o Papa João XXIII sentiu que era necessário encontrar respostas mais convincentes.

O chamado do Papa para um “aggiornamento”, assumiu, então, o caráter de busca da fortificação da fé, em ordem de fazer mais efetiva a missão da Igreja e ser capaz de responder de forma convincente a estes desafios. Não foi, certamente, um chamado para se caminhar segundo “o espírito dos tempos”, um “colocar-se” passivamente e à deriva, nem tampouco, um chamado para se realizar um novo começo da Igreja, mas sim um chamado para se fazer que a Mensagem do Evangelho servisse de resposta para questões difíceis que a humanidade enfrentaria na época pós-moderna. O Papa explicava o “ethos” por detrás de sua decisão quando declarou: “Hoje, a Igreja está sendo testemunha de uma crise dentro da sociedade. Neste tempo em que a humanidade está às bordas de uma nova era, aguardam para a Igreja tarefas de uma imensa gravidade e amplitude, como nos mais trágicos períodos de sua história. É questão definitiva, que devemos colocar o mundo moderno em contato com as energias vivificantes e perenes do Evangelho [...] em vista de um grande espetáculo – um mundo que revela sua grave pobreza espiritual, e a Igreja de Cristo, que ainda vibra com vitalidade – nós, temos sentido imediatamente a urgência de dever convocar nossos filhos para dar à Igreja a possibilidade de contribuir mais eficazmente em encontrar a solução dos problemas da era moderna” (Constituição Apostólica Humanae Salutis, 25 de dezembro de 1961). E continuava o Papa: “o Concílio que se aproxima se reunirá em um momento em que a Igreja encontra muito vivo o desejo de fortificar sua fé e contemplar-se a si mesma em sua própria unidade. Ao mesmo tempo, sente o urgente dever de dar uma maior eficiência à sua sã vitalidade e de promover a santificação de seus membros, a difusão da Verdade revelada, a consolidação de seus organismo” (ibid).

Portanto, o Concílio foi basicamente um chamado a um fortalecimento da Igreja desde dentro e em ordem de prepará-la melhor para sua missão em meio às realidades do mundo moderno. Subjacente a estas palavras, estava também o sentido da estima que o Papa sentia pelo que a Igreja era até então. As palavras “vibrante” e “vitalidade” usadas pelo Papa para definir o status da Igreja naquele momento, não deixam ver, por certo, nenhum sentido de pessimismo, como se o Papa depreciasse o passado ou tudo que a Igreja havia conseguido até o momento. É por isso que não se pode pensar justificadamente que, com o Concílio, o Papa havia chamado “um novo começo”. Tampouco foi um chamado para que a Igreja “desclassificasse” a si mesma, trocando ou abandonando totalmente suas tradições antiguíssimas, caindo, por assim dizer, absorvida pela realidade do mundo que a rodeia. De nenhuma forma se pediu a troca pela troca em si, senão somente na ordem de fortalecer e preparar melhor a Igreja para enfrentar os novos desafios. Em resumo, o Concílio nunca foi chamado a ser uma aventura sem fundo. Quis-se que fosse uma experiência verdadeiramente pentecostal.

Ainda assim e não obstante o muito que os Papas que guiaram este evento, insistiram na necessidade de um verdadeiro espírito de reforma, fiel à natureza essencial da Igreja, e incluso, quando o Concílio mesmo produziu belas reflexões teológicas e pastorais como a Lumen Gentium, Dei Verbum, Gaudium et Spes e Sacrosanctum Concilium, o que sucedeu fora do Concílio – especialmente dentro da sociedade em seu conjunto e no interior de seu círculo de liderança filosófica e cultural – começou a influenciar negativamente a Igreja, criando tendências que foram danosas para sua vida e sua missão. Estas tendências, que em ocasiões foram, inclusive, representadas mais virulentamente por certo círculos conectados com as orientações ou recomendações dos documentos do Vaticano II. Porém, de todas as formas foram capazes de sacudir os fundamentos da fé e os ensinamentos da Igreja numa medida surpreendente. A fascinação da sociedade com um exagerado sentido de liberdade individual e sua inclinação ao rechaço do perene e do absoluto, junto com outros pensamentos mundanos, tiveram influência dentro da Igreja, e amiúde, foram justificados em nome do Concílio. Esta visão também relativizou a Tradição, a verdade da doutrina desenvolvida e tendeu a idolatrar toda novidade. Continha consigo, fortes tendências favoráveis ao relativismo e o sincretismo religioso. Para eles, o Concílio tinha que ser, de tal sorte, “um novo começo” para a Igreja. O passado havia terminado seu curso; conceitos básicos e temas como o Sacrifício e a Redenção, as Missões, a proclamação e a conversão, a adoração como um elemento integrante da comunhão, a necessidade da Igreja para a salvação, todos estes foram deixados de lado, enquanto que o diálogo, a inculturação, o ecumenismo, a Eucaristia como “banquete” etc, se tornaram mais importantes. Foram depreciados os valores absolutos.

O Cardeal Joseph Ratzinger se referiu a este sempre crescente espírito de relativismo. Para ele, o verdadeiro Concílio “se contrapôs, já durante suas Sessões, com maior intensidade no período posterior, um constante “espírito do Concílio”, que é na realidade um verdadeiro anti-espírito. Segundo este pernicioso espírito (Konils-Ungeist em alemão), tudo que é novo, seria sempre e em qualquer circunstância, é melhor do que tudo que nos foi dado no passado ou do que existe no presente. Este anti-espírito, segundo qual a história da Igreja deveria começar do Vaticano II, considerado como uma espécie de ponto crucial” (Informe sobre a Fé, 1985).

O Cardeal descartava esta visão como falsa já que “o Vaticano II não queria certamente trocar a fé, senão respondê-la de maneira mais eficaz” (ibid). Também afirmou que, de efeito, “o Concílio não seguiu os rumos que João XXIII havia esperado”. E declarava que “é necessário também reconhecer que – ao menos até agora – não foi escutada a homilia do Papa João para que o Concílio significasse um novo salto adiante, uma vida e uma unidade renovadas para a Igreja” (ibid). Estas são palavras duras, porém, diria que muito verdadeiras, já que o espírito de uma exagerada liberdade teológica apartou, por assim dizer, o mesmo Concílio de suas metas declaradas.

O Consilium ad Exequendam Constitutionem de Sacra Liturgia [capitaneado por Mons. Bugnini e responsável direto pelo Rito Novo] tampouco esteve isento de ser influenciado por este incontível maremoto do chamado desejo de “mudança” e “abertura”. Possivelmente, algumas das mencionadas tendência relativizantes também influenciaram a Liturgia, minando a centralidade, a sacralidade e o sentido do mistério, e também minando o que a vida litúrgica eclesial havia nos permitido chegar por meio de uma contínua ação do Espírito Santo na bimilenária história da Igreja. Um exagerado sentido de busca do antropologismo, a confusão da posição entre sacerdotes e leigos e uma ilimitada provisão que abre espaço para a experimentação, foram cada vez mais visíveis em certas escolas litúrgicas.

Os liturgistas também tenderam a selecionar aquelas seções da “Sacrosanctum Concilium” que pareciam dar mais possibilidade à “mudança” ou à novidade, ignorando todas as demais. Por outra parte, existia um enorme sentido de pressa para efetuar e legalizar as mudanças. Tendeu-se a dar muito espaço a um modo de se olhar para a liturgia de forma demasiadamente horizontal. As normas do Concílio que tendiam restringir tal criatividade, ou que eram favoráveis à “forma tradicional”, foram ignoradas. Ainda mais, algumas práticas que a Sacrosanctum Concilium não havia sequer contemplado, foram permitidas na liturgia, como a Missa versus populum, a santa comunhão nas mãos, o abandono do latim, bem como todo canto gregoriano em favor de cantos e hinos em vernáculo sem qualquer espaço para Deus, e a extensão, mais do que além do racional, da faculdade de concelebrar a Santa Missa. Também houve uma extremada má interpretação do princípio da “participação ativa dos fiéis”.

Tudo isto foi efeito da obra do Consilium [esta obra foi o Rito Novo]. Aqueles que guiaram o processo de mudança, tanto dentro do Consilium como dentro da Sagrada Congregação dos Ritos, estiveram certamente influenciados por todas estas tendências inovadoras. No todo, o que eles introduziram foi negativo. Muito do trabalho realizado foi digno de elogios, porém, se deixou muito espaço para a experimentação e para a interpretação arbitrária. Estas “liberdades” foram exploradas até sua máxima expressão pelas mãos dos “peritos” litúrgicos, sendo que tudo isso conduziu a uma confusão demasiada. O Cardeal Ratzinger explicou estes fatos como “alguém se estremece diante do rosto desfigurado da liturgia pós-conciliar e como ela chegou a ser, ou outro se aborrece com sua banalidade e a falta dos estandartes artísticos” (A Festa da Fé, 1986). Isto não é para deixar toda responsabilidade do sucedido unicamente entre os membros do Consilium, todavia, algumas de suas aproximações eram “débeis”. De efeito, houve um espírito geral de ceder acriticamente em certos pontos ao espírito de mudança entusiasta da época, inclusive dentro da Igreja, mais visivelmente em setores e regiões geográficas. Alguns do que tinham autoridade na Sagrada Congregação dos Ritos também mostraram sinais de debilidade neste assunto. Concederam-se demasiados indultos sobre certos requerimentos.

Naturalmente, o “espírito de liberdade” a que alguns setores de peso dentro da Igreja deram “rédeas soltas” em nome do Concílio, inclusive fazendo vacilar aqueles que tomavam decisões importantes, conduziu e muito para a desordem e à confusão, algo que não buscaram nem o Concílio nem os Papas que o guiaram. A triste afirmação do Papa Paulo VI durante a tormentosa década de 70, “a fumaça de satanás entrou na Igreja” (homilia de 29 de junho de 1972 na festa de São Pedro e São Paulo); ou seus comentários acerca das escusas de alguns para impedir a evangelização “sobre a base de certos ensinamentos do Concílio” (Evangelli Nuntiandi, nº 80) mostram como este anti-espírito do Concílio fez mais dolorido seus labores.

A luz de tudo isso e de algumas conseqüências problemáticas para a Igreja, é necessário descobrir como emergiu a reforma litúrgica pós-conciliar, e que figuras ou atitudes causaram a presente situação. É uma necessidade que em nome da verdade, não podemos renunciar. O Cardeal Ratzinger analisou da seguinte forma a situação: ”estou convencido que a crise que estamos experimentado na Igreja se deve, em grande medida, à desintegração da Liturgia. Quando a comunidade de fé, a unidade da Igreja em todo o mundo e sua história, e o mistério de Cristo Vivo não são já visíveis na liturgia, onde mais será a Igreja visível em sua essência espiritual? Então, a comunidade celebra somente a si mesma, uma atividade que é completamente infrutuoso” (Joseph Ratzinger, Memórias. 1998). Como dizíamos antes, certa debilidade por parte dos responsáveis e a atmosfera de relativismo teológico, junto com o sentido de fascinação pela novidade, pela mudança, pelo antropocentrismo, o acento na subjetividade e no relativismo moral, ademais, a noção de liberdade individual que caracterizou a sociedade em seu conjunto, minaram os valores estabelecidos da fé e causaram este deslizamento até a anarquia litúrgica sobre que a qual falou o Cardeal.

As notas escritas pelo Cardeal Antonelli tomam, portanto, novos significados. O Cardeal Antonelli, um dos membros mais eminente e certamente envolvido no Consilium que supervisionou o processo de reforma, pode ajudar-nos compreender as polarizações internas que influenciaram as distintas decisões da reforma litúrgica e pode ajudar-nos também e ter a coragem de melhorar ou mudar o que foi introduzido erroneamente e que parecer ser incompatível com a verdadeira dignidade da liturgia. O Cardeal quando ainda era padre Antonelli há havia sido membro da Pontifícia Comissão para a Reforma Litúrgica criado pelo Papa Pio XII em 28 de maio de 1948. Foi esta comissão que trabalhou na reforma da liturgia da Semana Santa e da Vigília Pascal, reforma que foi tratada com muito cuidado. Essa mesma Comissão foi reconstituída pelo Papa João XXIII em maio de 1960 e, tempos depois, o padre Antonelli formou parte do grupo que trabalhou na redação da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium. Por tudo isso, ele esteve muito próximo e envolvido no trabalho de reforma desde os seus princípios.

Contudo, os ditames do movimento de reforma parecem haverem sido em grande parte desconhecidos até que o autor deste livro, “O Cardeal Ferdinando Antonelli e o desenvolvimento da reforma litúrgica de 1948 a 1970”, Monsenhor Nicola Giampietro, teve acesso a suas notas pessoais e decidiu apresentá-las em um estudo próprio. Este estudo, que foi também dissertação para o doutorado de Mons. Giampietro no Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo em Roma, nos ajuda a compreender os complexos trabalhos internos da reforma litúrgica prévios e imediatamente depois do Concílio Vaticano II. As notas do Cardeal Antonelli revelam um grande homem de fé e da Igreja, que se esforçava por conformar-se com algumas correntes que influenciaram os trabalhos do Consilium ad Exequendam Constitutionem de Sacra Liturgia. O que escreveu neste diário revela candidamente seus sentimentos de alegria como também seus sentimentos de dor e às vezes de medo diante da forma em que coisas estavam sendo feitas, as atitudes de alguns dos personagens principais da reforma, e o sentido aventureiro que caracterizou algumas das mudanças que foram introduzidas na liturgia. Este livro está muito bem redigido e foi citado pelo próprio Cardeal Joseph Ratzinger em um artigo que escreveu para a bem conhecida revista litúrgica “La Maison-Dieu”, intitulado “Resposta do Cardeal Ratzinger ao Padre Gy”. (La Maison-Dieu, nº 230, 2002/2, p. 116). Sobretudo, é oportuno estudá-lo, pois nos ajudará a ver o outro lado das apresentações mais eufóricas da reforma conciliar por parte de muitos autores contemporâneos.

A publicação em inglês deste interessante estudo contribuirá grandemente, estou seguro, para o já existente debate sobre a reforma litúrgica pós-conciliar. O que mais claro chama a atenção do leitor deste estudo é que o Cardeal Joseph Ratzinger declarou; “o verdadeiro tempo do Vaticano II ainda não chegou” (Informa sobre a fé, 1985). A reforma deve continuar, com a necessidade imediata, de reformar o Missal reformado de 1969, dado que um grande número de mudanças que se originaram com a reforma pós-conciliar parecem terem sido introduzidos com grande precipitação e sem reflexão, como declara repetidamente o mesmo Cardeal Antonelli. Necessita-se corrigir a direção para que as mudanças se façam verdadeiramente em linha com a Sacrosanctum Concilium, e se deve ir inclusive mais lejos, segundo o espírito de nosso tempo.

E o que nos impele a tais mudanças no é meramente o desejo de corrigir os erros passados [da reforma litúrgica], senão a necessidade de sermos fiéis ao que a liturgia é e significa para nós, e ao que o Concílio mesmo definiu o que é liturgia. Porque, como declarou o Cardeal Ratzinger, “a questão da liturgia não é periférica: o Concílio mesmo nos recorda que sobre esta, tratamos com o sendo o próprio coração da Igreja e da fé cristã” (ibid). O que necessitamos hoje não é nada além de audácia e alento para colocar o processo em movimento. Necessitamos identificar e corrigir as orientações e decisões errôneas, apreciar com coragem a tradição litúrgica do passado, assegurar que a Igreja redescubra as verdadeiras raízes de sua riqueza e grandeza espiritual, inclusive se preciso reformar a reforma litúrgica, assegurando assim que a Liturgia se transforme verdadeiramente em “expressão eminente da glória de Deus e, em certo sentido, uma intervenção do Céu sobre a terra” (Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 22 de fevereiro de 2007. Nº 35).

+ Arcebispo Malcolm Ranjith
Secretário da Congregação para o Culto Divino de Disciplina dos Sacramentos
8 de dezembro de 2008, Festa da Imaculada Conceição de Maria.

Fonte: O Ultrapapista Atanasiano

Tiara Above the Head of Joseph Cardinal Ratzinger (1982-2005)

When you enter the palace of the former flat of Cardinal Ratzinger near the Vatican this is what you see above your head inside the main entrance.

Thousands of times and year after year he crossed under this tiara from January 1982 when he became Prefect of the Sacred Congregation for the Doctrine of the Faith until 2005 when he was elected Supreme Shepherd of the Universal Church.

Relações Roma-Ecône. Visita do Superior Geral da FSSPX à Bahia.

Por Bruno Luís Santana

Dom Bernard Fellay e fiéis do mosteiro Nossa Senhora da Fé - Candeias, Bahia.

Dom Bernard Fellay e fiéis do mosteiro Nossa Senhora da Fé - Candeias, Bahia.

D. Bernard Fellay, Superior Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, visitou a Bahia entre os dias 08 e 09 de Julho de 2010, para conferir o Sacramento da Confirmação aos fiéis católicos frequentadores do Mosteiro Nossa Senhora da Fé (Candeias-BA).

Todos os bispos da Fraternidade, em ocasiões diversas, visitaram a comunidade, exceto D. Fellay, que veio à Bahia pela primeira vez.

Após a cerimônia, o senhor Bispo retornou à Sacristia e cingiu-se com os paramentos, rezando missa simples e posando para as fotos com os fiéis ao final.

Em seguida, iniciou-se uma conferência (em espanhol) com duração de duas horas, em que D. Fellay tratou de temas como as relações da FSSPX com Roma, sob o pontificado atual.

“O Papa é um homem que tem a cabeça progressista, mas é de coração católico, amante da Tradição”, ressaltou.

Citou também a situação desesperadora do clero europeu que entra em extinção de forma acelerada: “Há determinadas dioceses na França, onde um pároco chega a ficar à frente de mais de 60 paróquias. É estarrecedor”, disse.

Quanto aos entraves na Santa Sé, dão-se pela resistência do próprio Santo Padre em tirar as conclusões finais dos resultados do concílio. A tentativa de salvá-lo a todo custo se explica quando o mesmo de alguma maneira relativiza documentos como o Syllabus, que seria magistério, só que circunscrito ao seu período – o século XIX.

Contudo, todos os passos que o Santo Padre dá na direção da Fé Imutável, da Tradição e da Missa Tradicional são feitos num ambiente de extrema pressão, a começar por setores vaticanos como a Secretaria de Estado.

“Os trapistas de Mariawald, embora autorizados pelo Santo Padre a retornar à disciplina tradicional e ao rito de São Pio V, não obtiveram resposta, pois a Secretaria de Estado arquivou a autorização papal, sendo necessário que um novo pedido fosse feito e entregue em mãos ao Santo Padre por um prelado de confiança, que ouviu o Santo Padre dizer que já havia dado a autorização”.

A pressão também é forte nos episcopados mundiais, embora existam alguns bispos e sacerdotes honestos. A Cúria Romana também está mais habitada por prelados idôneos, e se rezam mais ou menos 20 missas tradicionais por dia na Basílica de São Pedro, em geral em momentos discretos, por secretários e outros clérigos próximos ao Santo Padre.


“Mas o motivo de Bento XVI rezar missa tridentina de forma privada em algumas circunstâncias, e o fato não ser tornado público, faz sentido quando me recordo que, numa conferência dada na Itália para 28 sacerdotes diocesanos, um deles me disse que ouviu de seu bispo que bastaria o Papa rezar a Missa Tradicional em público e o mesmo fecharia a Catedral, interditaria a diocese e romperia com a Santa Sé”, disse.

Espera-se também um aumento das perseguições a todo e qualquer movimento restaurador nos próximos anos, pois coincidirá com a saída dos últimos bispos outrora co-participantes do concílio Vaticano II, “e que tudo farão para bloquear ao máximo a onda de restauração que tem cada vez mais invadido a Igreja”.

Finalmente, diante do cenário dramático, fica-se com a Esperança Sobrenatural e a certeza de que, através da Santíssima Virgem, Deus reconduzirá todas as coisas aos seus lugares.

Fonte: Fratres in Unum

Editorial: A aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum no Brasil, um fiasco.

Com raríssimas exceções, a aplicação do motu proprio Summorum Pontificum no Brasil pode ser considerada um absoluto fiasco.

Embora o número de celebrações tenha aumentado desde a publicação do documento, as circunstâncias que envolvem as mesmas continuam sempre amordaçantes e nada favoráveis aos que amam verdadeiramente a Tradição doutrinal e litúrgica da Santa Igreja.


Um panorama geral no país indica um diagnóstico desolador, que pode ser apontado especificamente nos casos das importantes arquidioceses do Rio de Janeiro, Salvador e Olinda e Recife.

As duas primeiras, mergulhadas nas manobras das autoridades arquidiocesanas, que, com uma política de protelação, em condições degradantes, afundam os fiéis através de um menosprezo sistemático às suas necessidades espirituais e, sobretudo, à dignidade e respeito que merece o rito de São Gregório Magno.

Para piorar, a notícia desoladora do fim da Santa Missa em Recife reforça ainda mais o estado de desalento em que inelutavelmente caem os fiéis, abandonados pela hierarquia da Igreja. E essa, na realidade, é uma situação que se repete em muitas outras dioceses, onde padres piedosos, conscientes e que verdadeiramente amam a Missa de Sempre, sucumbem ao peso insuportável de intrigas e incompreensões de seus confrades ou ordinários.

Embora alguns tentem culpar sempre os ditos “tradicionalistas” pelos sucessivos naufrágios de suas naus, a situação dessas importantes arquidioceses brasileiras deve levar os católicos a uma profunda reflexão.

Quem são os padres a atender — quando isso ocorre… — à demanda pela missa tradicional?

Normalmente, são padres designados por seus ordinários; homens de confiança que possam garantir a consonância dessa nova “realidade eclesial” com toda a “pastoral” desenvolvida pelos que ocupam as posições de importância nas dioceses brasileiras.

De maneira geral, trata-se de homens de bom caráter que se dispõem a ocupar a função indesejável de cuidar do que consideram barris de pólvora: os grupos desejosos da missa tradicional. Todavia, na maioria das vezes são sacerdotes que, no máximo, consideram a situação calamitosa da Igreja como um desvio do programa de reforma proposto pelo Concílio Vaticano II, causado pela má interpretação de seu textos tanto pelos de direita quanto pelos de esquerda. Padres que têm a missa tradicional como mais um “carisma” dentro do cardápio eclesial variado que surgiu após o infeliz aggionarmento conciliar.

Enfim, padres sem idéias claras sobre a atual crise da Igreja, suas causas e seus desdobramentos; sacerdotes sem convicções sobre os problemas do novo ordinário da missa promulgado por Paulo VI e seu afastamento “impressionante, tanto no conjunto como nos detalhes, da teologia católica da santa Missa, perpetuamente definida pelo Concílio de Trento” (cf. Breve Exame do Novo Ordo da Missa, crítica enviada ao Santo Padre em 3 de setembro de 1969 pelos Cardeais Ottaviani e Bacci).

Precisamos de um novo Dom Antonio de Castro Mayer, de um outro Dom Marcel Lefebvre, de um Monsenhor Ducaud-Bourget, de um Padre Louis Demornex — padres dispostos a dar o sangue pela Santa Igreja, por sua liturgia e doutrina. Não precisamos de padres que se dignem prestar simplesmente um favor aos fiéis; precisamos de padres que nos guiem, que exerçam seu ministério de cura das almas de maneira plena, que vão à frente dos católicos defendendo-os dos lobos, especialmente os mitrados ou de batina. E isso só se dará quando esses mesmos padres tiverem absoluta convicção que a “restauração de todas as coisas em Cristo” passa única e exclusivamente por um caminho: a restauração da liturgia católica em seu rito romano tradicional e a afirmação clara e inequívoca da verdade católica, sem tergiversações.

O amor à liturgia tradicional e o empenho por ter nela a base para um apostolado para a maior glória de Deus e benefício das almas foi imprescindível para o sucesso nos poucos lugares em que as disposições do documento pontifício foram aplicadas corretamente. Enquanto a missa for objeto de curiosidade ou de mero apreço estético, histórico ou cultural, e não uma questão de fé, dificilmente pode-se esperar que as sombras sejam dissipadas.

Sancte Pie X, ora pro nobis!

Fonte: Fratres in Unum

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Os defensores da tradição reivindicam a Igreja infalível.

Suplicam ao Papa que condene “ex cathedra” os erros do Concílio Vaticano II. Um novo livro de Romano Amerio voltará a dar força a seu pedido. Mas Bento XVI não está de acordo.

por Sandro Magister


ROMA, 12 de julho de 2010 – Há alguns dias está nas livrarias italianas um novo volume de Romano Amerio, o terceiro da “opera omnia” deste autor, publicado pelas Edições Lindau.

Amerio, falecido em 1997 em Lugano (Suíça) aos 92 anos de idade, foi um dos maiores intelectuais cristãos do século XX.

Filólogo e filósofo de primeiro nível, Amerio tornou-se conhecido no mundo por conta de seu ensaio, publicado pela primeira vez em 1985 e traduzido para muitos idiomas, intitulado: “Iota unum. Estudo das variações da Igreja Católica no século XX”.

Mas esse mesmo ensaio, justamente pela tese que contém, fez Amerio ganhar o ostracismo da quase totalidade do mundo católico. Um ostracismo que apenas perdeu vigor há pouco tempo, também graças à reedição de “Iota unum”.

Amerio dedicou meio século à redação de “Iota unum”. E também esse terceiro volume da “opera omnia” foi escrito em um espaço de tempo muito amplo, de 1935 a 1996. Tem por título “Zibaldone” e — como a obra homônima do poeta Giacomo Leopardi — recolhe pensamentos breves, aforismos, narrações, citações de autoires clássicos, diálogos morais e comentários sobre fatos cotidianos.

Com seus mais de setecentos pensamentos, “Zibaldone” forma uma espécie de autobiografia intelectual do autor. Nela estão naturalmente presentes as questões apresentadas em “Iota unum”.

Como, por exemplo, nesta pequena página datada de 2 de maio de 1995:

“A autodemolição da Igreja, deplorada por Paulo VI no famoso discurso pronunciado em 11 de setembro de 1974 no seminário Lombardo, torna-se cada dia mais evidente. Já no Concílio, o Cardeal Heenan (primaz da Inglaterra) lamentou que os bispos tenham deixado de exercer o ofício do Magistério, mas se consolava ao ver que tal ofício havia sido conservado integralmente no Pontificado Romano. A observação era e é falsa. Hoje, o Magistério Episcopal cessou e o Papal também. Hoje, o Magistério é exercido pelos teólogos que agora marcam a todas as opiniões do povo cristão e desqualificaram o dogma da fé. Tive uma demonstração impressionante disso ao escutar ontem o teólogo da Rádio Maria. Ele negou impávido e muito tranquilamente artigos de fé. Ensinou [...] que os pagãos, a quem não é anunciado o Evangelho, se seguem os ditames da justiça natural e se decidem buscar a Deus com sinceridade, alcançam a visão beatífica. Esta doutrina dos modernos é antiguissima na Igreja, mas sempre foi condenada como um erro. Mas os teólogos antigos, enquanto sustentavam com firma o dogma da fé, experimentavam ao mesmo tempo toda a dificuldade que encontra o dogma e buscavam a forma de vencê-la com razões profundas. Pelo contrário, os teólogos modernos não advertem as dificuldades intrínsecas do dogma, mas correm diretamente à ‘lectio facilior’, jogando no sótão todos os decretos doutrinais do Magistério. E não se dão contam que negam assim o valor do batismo e toda a ordem sobrenatural, isto é, toda nossa religião. Também em outros pontos está difundida a rejeição do Magistério. O inferno, a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos, a imutabilidade de Deus, a historicidade de Cristo, a malignidade da sodomia, o caráter sacrado e indissolúvel do matrimônio, a lei natural e a primazia do divindo são outros tantos argumentos que o magistério dos teólogos eliminou do Magistério da Igreja. Essa arrogância dos teólogos é o fenômeno mais manifesto da autodemolição”.

* * *

Dessa sua análise fortemente crítica, que ele aplicava também ao Concílio Vaticano II, Amerio extraiu o que Enrico Maria Radaelli, seu fiel discípulo e editor da publicação das obras do mestre, chama de “grande dilema subjacente ao fundo do cristianismo atual”.

O dilema é se há continuidade ou ruptura entre o Magistério da Igreja antes e depois do Vaticano II.

No caso de uma ruptura, se esta fosse tal como para “perder a verdade”, então também a Igreja estaria perdida.

Amerio não chegou jamais a sustentar essa postura extrema. Sempre foi um filho obediente da Igreja. Não só isso. Sabia pela fé que, não obstante tudo isso, a Igreja jamais pode perder a verdade e, consequentemente, jamais pode perder-se a si mesma, pois está assistida indefectivelmente “pelas grandes promessas de Nosso Senhor: ‘As portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (Mt 16, 18) e ‘estarei convosco todos os dias até o fim dos séculos’ (Mt 28, 20)”.

Mas Amerio estava convencido — e Radaelli explica bem em seu extenso epílogo a “Zibaldone” — que esse amparo assegurado por Cristo a sua Igreja vale somente para as definições dogmáticas “ex cathedra” do Magistério, não para os ensinamentos incertos, ambíguos, opináveis e “pastorais” do Concílio Vaticano II e das décadas posteriores.

Com efeito, a juízo de Amerio e Radaelli, esta é justamente a causa da crise da Igreja conciliar e pós-conciliar, uma crise que levou o mais próximo da perdição, “impossível mas também quase alcançada”, como é o ter desejado renunciar a um magistério imperativo, com definições dogmáticas “inequívocas na linguagem, certas no conteúdo, vinculantes na forma, como se espera ser ao menos os ensinamentos de um Concílio”.

A consequência, segundo Amerio e Radaelli, é que o Concílio Vaticano II está cheio de asserções vagas, interpretáveis de modos diferentes, das quais algumas estão também em aberto contraste com o magistério anterior da Igreja.

Essa linguagem pastoral ambígua é o que havia aberto o caminho a uma Igreja hoje “percorrida por milhares de doutrinas e centenas de milhares de costumes nefastos”, inclusive na arte, música e liturgia.

O que fazer para remediar essa calamidade? A proposta que faz Radaelli vai mais além daquela feita recentemente — a partir de juízos críticos tão duros quanto — por outro estimado apaixonado pela tradição católica, o teólogo tomista Brunero Gherardini, de 85 anos de idade, cônego da basílica de São Pedro, professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense e diretor da revista “Divinitas”.

* * *

Monsenhor Gherardini antecipou sua proposta num livro publicado em Roma, no ano passado, com o título: “Concilio Ecumenico Vaticano II. Um discorso da fare”.

O livro conclue com uma “Súplica ao Santo Padre”, a quem se pede que submeta a um novo exame os documentos do Concílio, para esclarecer, de uma vez por todas, “se, em que sentido e até que ponto” o Vaticano II está ou não em continuidade com o magistério anterior da Igreja.

O livro de Gherardini tem no início dois prefácios: um, de Albert Malcolm Ranjith, arcebispo de Colombo e ex-secretário da Congregação vaticana para o Culto Divino, e outro, de Mario Oliveri, bispo de Savona. Este último afirma que se une “toto corde” à súplica ao Santo Padre.

Pois bem, em seu epílogo a “Zibaldone” de Romano Amerio, o professor Radaelli recolhe a proposta de Monsenhor Gherardini, mas “apenas como uma primeira instância para purificar o ambiente de muitos, muitos mal entendidos”.

Com efeito, segundo Radaelli, não é suficiente esclarecer o sentido dos documentos conciliares, se tal esclarecimento é oferecido depois à Igreja com o mesmo estilo ineficaz de ensinamento “pastoral” que se tornou costume com o Concílio, propositivo mais que impositivo.

Se o abandono do princípio de autoridade e o “discussionismo” são a enfermidade da Igreja conciliar e pós-conciliar, para sair dela — afirma Radaelli — é necessário trabalhar de forma contrária. A máxima hierarquia da Igreja deve fechar a discussão com um pronunciamento dogmático “ex cathedra”, infalível e vinculante. Deve atingir com o anátema os que não obedeçam e deve bendizer os que obedecem.

O que Radaelli espera que a cátedra suprema da Igreja decrete? Assim como Amerio, ele está convencido de que ao menos em três casos se deu “uma ruptura abismal da continuidade” entre o Vaticano II e o magistério anterior: onde a Concílio afirma que a Igreja de Cristo “subsite na” Igreja Católica, em vez de dizer que “é” a Igreja Católica; onde assevera que “os cristãos adoram o mesmo Deus adorado pelos judeus e muçulmanos”; e na Declaração “Dignitatis Humanae” sobre a liberdade religiosa.

* * *

Tanto Gherardini como Amerio-Radaelli reconhecem em Bento XVI um Papa amigo. Mas há que se descartar que ele assinta a seus pedidos.

Mais ainda, tanto no conjunto como em alguns pontos controversos, o Papa Joseph Ratzinger já fez saber que não compartilha em absoluto de suas posições.

Por exemplo, a respeito da continuidade de significado entre as fórmulas “é” e “subsiste em” já se expressou a Congregação para a Doutrina da Fé, no verão de 2007, ao afirmar que “o Concílio Ecumênico Vaticano II não quis mudar, nem de fato o fez, a doutrina anterior sobre a Igreja, mas que apenas quis desenvolvê-la, aprofundá-la e expô-la mais amplamente”.

Quanto à Declaração “Dignitatis humanae” sobre a liberdade religiosa, Bento XVI explicou pessoalmente que, se ela está separada das indicações anteriores “contingentes” do Magistério, fê-lo precisamente para “retomar novamente o patrimônio mais profundo da Igreja”.

O discurso em que Bento XVI defendeu a ortodoxia da “Dignitatis humanae” é o que dirigiu à cúria vaticana na vigília do primeiro Natal de seu pontificado, em 22 de dezembro de 2005, precisamente para sustentar que entre o Concílio Vaticano II e o magistério anterior da Igreja não há ruptura, mas “reforma na continuidade”.

O Papa Ratzinger não conveceu até agora aos lefebvristas, que se mantêm em estado de cisma justamente neste ponto crucial.

Mas não convenceu — de acordo com o que escrevem Radaelli e Gherardini — nem sequer a alguns de seus filhos “obedientíssimos em Cristo”.

Visto em: Fratres in Unum

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Quem é o novo criador de bispos?

O cardeal Marc Ouellet durante a cerimônia de recebimento do título de Santa Maria em Traspontina, domingo, 26 de outubro de 2003 - 30 Giorni.

O cardeal Marc Ouellet durante a cerimônia de recebimento do título de Santa Maria em Traspontina, domingo, 26 de outubro de 2003 - 30 Giorni.

O Cardeal Dom Marc Ouellet, nomeado novo prefeito da Congregação para os Bispos, é uma figura praticamente desconhecida no Brasil. Em novembro de 2003, Sua Eminência concedeu uma entrevista à revista 30 Giorni, que traça um perfil do então recém-criado Cardeal: “durante muitos anos [trabalhou] na América Latina espanhola, e defendeu, também em alemão, a sua tese de graduação em Teologia [sobre a obra de Hans Urs von Balthasar]. Fala perfeitamente italiano, pois lecionou também em Roma, onde teve uma breve, porém intensa, experiência na Cúria como número dois no dicastério preposto ao diálogo ecumênico”. Por muito tempo foi membro do quadro editorial da revista Communio, representante do progressismo moderado apegado à letra do Concílio Vaticano II, em oposição à revista Concilium, que pretende estar aliada a seu “espírito”.

Caos.

Ordenado em 1968 no que considera “clima meio caótico”, o Cardeal lembra que no dia de sua ordenação um dos seus “familiares mais próximos disse-lhe: deverás mudar de idéia, pois parece que a Igreja a que darás a tua vida está desmoronando, parece não ter futuro. E dizia isso seriamente, não por brincadeira”.

Moderação.

Sobre liturgia, Sua Eminência diz que “depois do Concílio Vaticano II houve um movimento progressista litúrgico muito exagerado, que fez com que desaparecessem os tesouros da tradição como, por exemplo, o canto gregoriano. Tesouros que deveriam ser recuperados. Mas, como afirma o cardeal Joseph Ratzinger, deve-se recuperar principalmente o sentido sagrado da liturgia, ou seja, a percepção de que a liturgia não é algo que fabricamos, que podemos recompor segundo os nossos gostos passageiros, mas sim algo que se recebe, que nos é legado. Portanto, as objetividades das reformas litúrgicas têm a sua importância. Creio que as chamadas do cardeal Ratzinger sejam muito importantes. Penso que o Concílio Vaticano II tenha feito uma boa constituição sobre a sagrada liturgia, a Sacrosanctum Concilium. Mas a atuação da reforma litúrgica não foi – sempre – à altura. Seria preciso voltar à essência da Sacrosanctum Concilium”.

Tempo.

Para o Cardeal, depois do “Concílio Vaticano II a Igreja Católica entrou de modo decisivo e irreversível no movimento ecumênico. E isso é um grande fato pentecostal do nosso tempo, a ser avaliado de modo muito positivo. Mas a separação vivida por mil anos com a ortodoxia e por quinhentos com as comunidades nascidas da Reforma não pode ser restaurada imediatamente. Precisa-se de tempo”.

Para o sucesso do diálogo, Ouellet espera uma mudança de rumos: “a orientação ecumênica é centralizada demais no episcopado, nas relações entre colegialidade e papado e insuficiente sobre os fundamentos da fé e, portanto, sobre o papel de Maria”.

Rumos traçados já pelo Concílio Vaticano II, que deixou de aprovar o esquema exclusivamente dedicado à Santíssima Virgem, “fonte de vivas preocupações” para os peritos conciliares (cf. O Reno se lança no Tibre, ed. Permanência, pag. 96), para inseri-lo como um capítulo no esquema sobre a Igreja. Segundo os comentários do Padre Karl Rahner, a aprovaçã de um esquema separado “causaria um mal incalculável, em relação tanto aos Orientais como aos Protestantes”, pois “todos os resultados conquistados no domínio do ecumenismo, graças ao Concílio e em relação ao Concílio, seriam reduzidos a nada com a aprovação do esquema na forma em que estava”. (ibid).

Fonte: Fratres in Unum