FONTE: Instituto Humanitas Unisinos
Que a sua mudança tenha sido reacionária, como afirmam alguns, ou uma obra corajosa de proteção da doutrina católica, como defendem outros, certamente Paulo VI, depois do Concílio Vaticano II, assumiu posições que tendiam a frear a onda de mudança que havia investido sobre a Igreja: basta pensar na encíclica "Humanae Vitae", de 1968, com a qual o Papa Montini condenou a contracepção farmacêutica.
Mas até agora não havia vindo à tona a contribuição dada a essas escolhas por parte do cardeal Giuseppe Siri (foto), arcebispo de Gênova, na Itália, com o qual o Pontífice nem sempre havia se encontrado em sintonia anteriormente.
A reportagem é de Antonio Carioti, publicada no jornal Corriere della Sera, 02-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem chama a atenção sobre a relação entre os dois altos prelados é o ensaio com o qual o historiador Paolo Gheda abre um livro de mais vozes editado por ele, "Siri, la Chiesa, l’Italia" (Ed. Marietti 1820, 417 páginas), que inclui uma intervenção do presidente da CEI [Conferência dos Bispos da Itália], Angelo Bagnasco, e contribuições de estudiosos como come Pietro Borzomati, Roberto de Mattei, Benny Lai, Lorenzo Ornaghi, Gaetano Quagliariello, Danilo Veneruso.
Com base em diversos documentos inéditos, a consonância pós-conciliar entre o Papa e o purpurado lígure surge aqui de modo muito nítido, assim como em geral eles parecem mais próximos do que se poderia acreditar.
Gheda, porém, não nega as suas divergências acerca da relação entre a Santa Sé e a Conferência dos Bispos da Itália, à cuja autonomia Siri tinha muitas, tendo também "dores, desprazeres e humilhações" quando foi seu presidente, de 1959 al 1965, tanto que chegou a acolher com vivo arrependimento, como ele mesmo escrevia em uma carta inédita do dia 28 de setembro de 1962, a decisão de João XXIII de confirmá-lo no cargo por três anos.
Também no campo doutrinal, não faltaram momentos de atrito. Na iminência do Concílio, o cardeal de Gênova mostrava ter medo que Montini, na época arcebispo de Milão, fosse indulgente com relação às novas tendências teológicas. E no curso do Vaticano II, o tema delicado das fontes da revelação lhes viu, lembra Gheda, "sobre posições diversas, senão totalmente opostas".
A situação mudou a partir da eleição de Montini ao sólio pontifício (junho de 1963), que o carregou com uma responsabilidade opressiva. Já com a sua "Nota Praevia" à constituição dogmática "Lumen Gentium" de novembro e 1964, no qual reforçava no primado papal, Paulo VI, segundo Gheda, "foi confortar as preocupações do prelado lígure", tanto que Siri se disse satisfeito acerca do êxito do Vaticano II.
Mas foi a fase posterior, que parece abrir caminho para uma radical transformação do catolicismo, que os levou para a mesma linha. Essa, pelo menos, é a impressão que Siri teve quando encontrou Paulo VI no dia 21 de abril de 1966. No seu relato da conversa, até agora inédito, o cardeal refere ter deplorado a "notável inconsciência" das editoras católicas, o "relativismo asfixiante" de certos teólogos, a difusão "dos fáceis slogans e das palavras vazias". E nota que o Papa, mesmo que mais mórbido do que ele com relação aos desvios doutrinais, recebeu substancialmente "bem esse grave discurso". Tanto que, escreve Siri, Paulo VI o dispensou dizendo-se "feliz de ter apoio em colaboradores sábios e honestos" como ele.
Isso é suficiente, observa Gheda, para considerar que a experiência à liderança da Igreja "levou Montini a 'reavaliar' a linha de Siri", que durante o Concílio havia assumido posições de marca conservadora.
A confirmação veio de um outro texto inédito: uma carta ao Papa, datada no dia 1º de novembro de 1967, na qual o cardeal genovês invoca uma firme pronúncia papal sobre os contraceptivos. Há confessores, denuncia Siri, "que autorizam os fiéis a usar métodos anticoncepcionais", o que produz um dano "notabilíssimo" para "toda a vida moral". Consequentemente, "os pastores de almas estão em verdadeira e grave angústia", enquanto entre os católicos se difundem "incertezas" que comprometem a confiança nos ensinamentos da autoridade eclesiástica. Urge por parte do Papa, afirma o cardeal, uma forte "declaração de confirmação da regra tradicional", que possa "tranquilizar os fiéis" acerca da "permanência da Lei natural" e do "caráter absoluto da verdade certamente adquirida".
Gheda se questiona se a carta influenciou a preparação da "Humanae Vitae" – que foi publicada cerca de nove meses depois, no dia 25 de julho de 1968 – ou foi talvez "pedida pelo Papa". É difícil, porém, pensar que a intervenção de Siri não tenha tido um peso na decisão de Paulo VI, que, com a encíclica, contradisse o parecer da maioria da Comissão Pontifícia encarregada de estudar o problema do controle de nascimentos e atraiu ásperas críticas também dentro do mundo católico, ainda muito dividido sobre a questão.
Hoje, com a importância crucial que as questões bioéticas assumiram por causa do progresso tecnológico, a "sacralidade da vida" entendida no sentido tradicional torna-se sempre mais central ao se definir o compromisso da Igreja. Mesmo que se possa discordar dessa impostação, é preciso reconhecer que Sini marcou durante muito tempo a trincheira sobre a qual ela podia se manifestar. E que Montini se encontrou de acordo com ele.
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