sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Artigo do Igreja Una levanta panorama da Cúria Romana nos últimos anos

Secretário DiNoia, um neo-Ranjith?


Secretário da Congregação para o Culto Divino nas Vésperas da FSSP.

O Vaticano tem uma formação curiosa nas suas congregações. Sempre que um prefeito é demasiado conservador, o seu secretário é um pouco menos e o inverso também é válido. Penso ser uma tática para manter o “equilíbrio da força”.

A Congregação para o Culto Divino prova um pouco essa teoria. Na Cúria do final do pontificado de João Paulo, praticamente depois do grande Jubileu do ano 2000, tornou-se um lugar inóspito para qualquer tentativa de se restaurar certo decoro nas celebrações litúrgicas, muito mais improvável era a publicação do desejado Motu Proprio sobre a missa antiga.

O prefeito, desde 2002, era o cardeal nigeriano Francis Arinze, um bispo que não suportava a idéia de um Motu Proprio para a missa tradicional. “Este é o nosso bebê!” exclamou o cardeal, com o novo missal nas mãos, durante a visita Ad Limina dos bispos alemães ao Vaticano segundo conta o bispo Bernard Fellay. Arinze, embora não fosse um ardoroso fã dos abusos litúrgicos, era menos fã do rito antigo.

E Arinze havia substituído, como prefeito da Congregação, o cardeal Medina Estévez, um chileno que queria ver a missa antiga liberada. Medina é ainda um defensor da missa tradicional e frequentemente a reza no Chile.

Medina, um conservador, assumiu a Congregação como pró-Prefeito em 1996. Herdou um secretário brasileiro, Geraldo Majella Agnelo, atual arcebispo de Salvador, que já estava lá desde 1991. É interessante como a convivência com o prefeito chileno não acrescentou nada ao prelado brasileiro, que ainda proíbe a missa antiga.

A substituição de Medina por Arinze foi obra, sem dúvida, do “Vice-Papa”, também conhecido como Cardeal Ângelo Sodano. Sodano foi a figura mais poderosa do pontificado de João Paulo II e, na época de aguda doença do pontífice, via suas atribuições expandidas. Não é preciso destacar que Sodano também não gosta da missa antiga.

Talvez o único período onde esta Congregação ficou nas mãos de dois bispos cuja agenda era bem diferente do atual pontificado, foi entre 2003 e 2005. Arinze, prefeito, e Domenico Sorrentino, secretário.

Sorrentino era um homem do direito, da administração, e não da liturgia. Tinha vínculos com a Secretaria de Estado do Vaticano (Sodano, novamente) antes de figurar como secretário do Culto Divino. A influência do Cardeal Sodano era enorme, praticamente todas as congregações vaticanas tinham homens oriundos da Secretaria de Estado. Isso gerou grandes conflitos com o então cardeal Ratzinger que via a “Doutrina da Fé” perdendo espaço para a “Política na Fé”.

O Motu Proprio, que tinha condições de ser publicado já na década de 90, se viu adiado ao máximo graças aos esforços dos secretários, subsecretários e membros das congregações vaticanas que tinham por padrinho o cardeal Sodano.

Continuando a história da Congregação para o Culto Divino. Eis que, em 2005, algo muda drasticamente. Sodano não venceu o conclave, tampouco Tettamanzi ou Martini. Ratzinger alcança o trono de Pedro e a liturgia torna-se o eixo do seu pontificado.

O neo-papa sabia do funcionamento da Cúria, conhecia suas curvas, seus becos mais sinistros e se pôs a agir, lenta, mas decididamente.

Já em 2005, removeu de uma vez por todas o arcebispo Sorrentino, enviando-o para Assis. Não foi uma transferência, tampouco uma remoção, mas uma verdadeira implosão do aparato progressista encastelado na Congregação.

A represália de Bento XVI para com Sorrentino foi grande, porque o mesmo não se tornou arcebispo de nenhuma diocese potencialmente cardinalícia da Itália (como normalmente ocorre quando um secretario da cúria é nomeado bispo fora do vaticano), na verdade nem se tornou arcebispo de fato, tendo apenas um título.

E para o lugar de Sorrentino, veio um núncio asiático! Quem pensaria nisso? É claro que pelo menos o pontífice pensou e escolheu Malcon Ranjith.

Dom Ranjith, que já havia trabalhado na Cúria e fora exilado como Núncio pelo lobby de Sodano, volta com força total. O período de atuação de Dom Ranjith foi o único na história recente onde a figura do Prefeito da Congregação ficou totalmente eclipsada pelo secretário. Ranjith foi sucesso imediato entre os fiéis tradicionais e se tornou alvo preferencial dos curiais insatisfeitos com sua crítica feroz.

Ranjith foi peça fundamental para a liberação da missa antiga, em 2007. E sua atuação na divulgação do Motu Proprio foi explosiva. Sodano já não estava no poder, agora era a vez de um antigo amigo de Bento XVI se tornar Secretário de Estado. Infelizmente, nem Bertone pôde conter a fúria dos bispos curiais e dos bispos ingleses e alemães que, sabendo da substituição inevitável to Prefeito Arinze, temiam Ranjith a frente da Congregação, como prefeito e cardeal.

Mas um novo nome despontava no horizonte como potencial substituto do cardeal Arinze. Antonio Cañizares Llovera, recentemente criado cardeal pelo Papa Bento XVI e arcebispo de Toledo, na Espanha. Conservador, do estilo Medina Estévez.

Arinze e Ranjith são substituídos quase simultaneamente. O primeiro, aposenta-se. O segundo, diferentemente de Sorrentino, torna-se arcebispo de Colombo no Sri-Lanka e chefe da Igreja Católica naquele país.

Se para o lugar de Arinze já havia um nome conservador, então para o lugar de Ranjith deveria haver um progressista. Especulavam sobre Piero Marini, então ex-mestre de cerimônias do Papa. Contudo, Bento XVI também não nutria uma simpatia pelo Arcebispo Marini, que agora comanda um comitê sem importância em Roma. Então que fazer?

Se antes os nomes eram indicados pela face política da Igreja, agora eles eram nomeados de acordo com fortes colaboradores da Congregação para a Doutrina da Fé. Foi assim com a Congregação para a Causa dos Santos, cujo atual prefeito é o arcebispo Ângelo Amato, ex-secretário da Doutrina da Fé. E foi assim que a história se processou, trazendo à luz o nome de Joseph Augustine DiNoia, sub-secretário da Doutrina da Fé da época Ratzinger.

Eis que, depois de revisarmos um pouco a história recente desta congregação, vamos ao nosso post em si.

DiNoia era um desconhecido. Sua única atuação pública se deu recentemente, na publicação do documento que recebe os anglicanos na Igreja Católica. Ninguém conhecia as posições de DiNoia sobre a missa antiga, por exemplo. “Conhecia”, no passado.

Recentemente, como parte das celebrações para o Ano Sacerdotal, o misterioso secretário da Congregação participou das Vésperas segundo o antigo uso. A cerimônia se deu na paróquia da Fraternidade de São Pedro em Roma.

As belíssimas fotos já estão, como sempre, disponíveis na internet. Via Orbis Catholicus e New Liturgical Movement.

Parece que, diferentemente de 2003-2005, a Congregação para o Culto Divino agora possui dois chefes prontos para colocar a engrenagem do projeto litúrgico de Bento XVI em movimento. Cañizares e DiNoia são dois bispos comprometidos com a correção dos abusos no rito novo e com a expansão generosa da missa antiga. E deve ser assim, porque é realmente anormal termos parte da liturgia sendo comandada por uma comissão – a Ecclesia Dei – ainda que esta comissão seja bem competente e a outra parte nas mãos do Culto Divino. Isso é uma clara contradição numa Igreja que se esforça para provar que as duas formas constituem um duplo uso da liturgia romana e não dois ritos diferentes. Sendo o mesmo rito, só pode haver um único dicastério encarregado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário