segunda-feira, 7 de julho de 2014

E lá vai Francisco...


Já se passou mais de um ano da eleição de Francisco, seria possível fazer algum juízo de seu Pontificado?
Quando escrevi para o Jornal O Povo (dezembro de 2013), o artigo “Francisco: a interrogação”, tinha receios de afirmar algo, por isso, “a interrogação”. Esta interrogação ainda permanece, mas junto dela eu assumo a palavra “confusão”.
Como entender Francisco? Por ter formação em história é quase impossível, para mim, não ver Francisco como um grande líder populista latino-americano, quase um Perón.
Veja a definição que a Wikipédia apresenta para “Populismo”: “O termo populismo é utilizado para designar um conjunto de práticas políticas que consiste no estabelecimento de uma relação direta entre as massas e o líder carismático (como um caudilho, por exemplo), sem a intermediação de partidos políticos ou entidades de classe. Assim, o "povo", como categoria abstrata, é colocado no centro da ação política, independentemente dos canais próprios da democracia representativa [...]”
Agora, em um exercício rápido, substitua a palavra “Povo” por “Pobre” e “partidos políticos ou entidades de classe” por “Cúria Romana”. Reflita e busque ver as ações de Francisco, cada gesto, quebra de protocolo, afago mais demorado... Não tiro o mérito de certos gestos para com os mais carentes, mas nele tudo ganha proporções exageradas, como se nenhum outro papa o tivesse feito.
O que me incomoda é que grande parte destes gestos parecem ter sido pensados mediante a espera de certos efeitos. Não parecem tão espontâneos. Vai se construindo um líder carismático. E, como tal, dotado de poderes fantásticos, de grande autoritarismo, diga-se de passagem. Tudo parece legitimado.
Eleito em meio aos escândalos curiais, Bergóglio foi vendido como um hábil reformador, e o que reformou até agora? NADA!!! Nomeou um conselho que só discute, inventou uma série de repartições que nada fazem. Na prática, se faz surdo à Cúria, traz gente de fora, promove a antiga linha diplomática (Baldisseri e coleguinhas), derruba bispos conservadores que lhe eram oposição quando cardeal de Buenos Aires, aumenta o cerco aos Franciscanos da Imaculada, dá poderes a João Braz de Aviz, que faz o que quer e destrói todo o inquérito acerca das religiosas norte-americanas.
No campo litúrgico, bem que campo? Fico pensando na angústia de Dom Guido Marini, tendo que aturar o autoritarismo (não autoridade) do papa como suas inúmeras férulas, celebrações sem batina, destruição do legado de Bento XVI, improvisos etc. Um típico bispo de formação latino-americana regada de nuanças marxistas.
No doutrinal então, nem se fala. Basta pensar no “Quem sou eu para julgar?”. Só esta expressão basta. O resto é confusão. Como assim? O líder do mundo cristão-católico se exime de falar sobre moral. O que esperar? A autodemolição da Igreja vem do alto. O martelo de Nietzsche pode ficar de fora. O Ocidente está ruindo e, com ele, sua instituição mais sólida: a Igreja, herdeira da filosofia grega, do direito romano, da religiosidade e moral mosaicas. O ataque à Igreja vem de dentro. Quando seus líderes, e o maior deles, o papa, já não acreditam em seu papel, a instituição é um inconveniente. Ecos dos anos 1960 que perduram até hoje.
Bento XVI tentou minar a crise identitária da Igreja a partir da liturgia, ele caiu, a crise só aumenta. Afinal, como está a Igreja hoje? Uma babel linguística na qual cada um acha que está falando a língua de Francisco, enquanto que este quase nada fala. Faz, faz o que quer, mesmo que rompa toda a história da instituição.
O Pontificado de Francisco deu forças para muitos setores, menos para aqueles que desejam uma Igreja Católica Apostólica Romana. Como historiador, só vejo o aumento da crise e um estrago que será difícil de sanar numa era pós-Francisco.