quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dom Kurt Koch, o Papa e o Vaticano II.

Dom Koch, novo presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

Dom Koch, novo presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

Cidade do Vaticano (Quarta-feira, 13-10-2010, Gaudium Press) Nesta entrevista concedida a um de nossos correspondentes, o novo presidente do Pontifício Conselho da Unidade dos Cristãos, o arcebispo suiço, Dom Kurt Koch, fala, entre outros assuntos, sobre os discursos que proferiu no Ratzinger Schülerkreis” – tradicional encontro do Santo Padre com seus ex-alunos – realizado no dia 28 de agosto passado em Castel Gandolfo. Na ocasião, Dom Koch abordou basicamente as diferentes hermenêuticas relativas ao Concílio Vaticano II, inclusive a do Papa Bento XVI.

Gaudium Press – Sua Excelência em seu primeiro discurso apresenta três hermenêuticas diversas. Quais são as suas diferenças e suas consequências para a Igreja Católica na realização do Concílio Vaticano II?
Cada Concílio é a mesma coisa: de um lado, é arraigado na tradição, mas por outro, o seu olhar é dirigido ao futuro, porque é ali que se encontram os novos desafios e os novos compromissos. Assim foi também para o Concílio Vaticano II, aliás, talvez mais evidente ainda, visto que o Santo Padre João XXIII havia falado de uma atualização para renovar a doutrina da Igreja no novo contexto, e esclareceu desde o início que não queria uma nova doutrina. Agora temos duas hermenêuticas opostas: a hermenêutica da continuidade absoluta, que quer dizer que o Vaticano II não deve dizer coisas novas, mas somente confirmar, porque tudo já estava na tradição, e a hermenêutica da descontinuidade e da ruptura, que quer dizer que com o Vaticano II deve ter início uma outra Igreja…O Santo Padre falou em seu primeiro discurso na Cúria Romana, no Natal de 2005, que é necessária uma nova hermenêutica, aquela da reforma, que quer significar que deve-se renovar, porém dentro da grande tradição e da grande continuidade.

GP – Como caminho certo para a interpretação dos documentos conciliares, Sua Excelência propõe, seguindo o Santo Padre Bento XVI, uma “reforma da reforma” também no campo litúrgico. Qual é o significado desta hermenêutica?
Do ponto de vista dos fiéis, o primeiro efeito do Concílio foi a reforma da liturgia. As pessoas pensavam que a reforma da liturgia fosse um resultado do Concílio Vaticano II. Mas entre a Constituição da Sagrada Liturgia Sacrosanctum concilium e a reforma da liturgia verdadeira existe uma diferença. A Constituição, apresentando os novos textos, não eliminou os velhos livros da liturgia, mas previu uma reforma e estabeleceu as linhas guias para atuá-la em base as quais, depois do Concílio, foi dado início à reforma da liturgia e dos sacramentos. Sucessivamente foi criada uma nova situação. Sem dúvida a reforma deu muitos bons frutos, mas criou também alguns problemas. Porque quando as pessoas escutam a palavra “reforma” logo pensam que há uma nova liturgia, criada pelo Concílio e não arraigada na tradição. É por isso que algumas pessoas pensaram: “Nós queremos continuar com a nossa liturgia tradicional”. Sobre essa atitude conservadora o Santo Padre disse: “não. Há uma liturgia da reforma que é ainda arraigada na tradição, mas que é também aberta para o futuro”. Entre a Constituição Sacrosantum concilium e a reforma não há uma total identidade. Depois de alguns anos pode-se ver que tudo o que o Concílio quis foi encarnado na liturgia de hoje. Mas se vê que alguns elementos da Constituição sobre a liturgia não foram ainda percebidos pelo povo de Deus, por isto, hoje se deve pensar a como se pode aprofundar o Concílio Vaticano II.

GP – Quais são estes problemas?
Antes de mais nada, penso que a importância da adoração não esteja bem presente nos fiéis. Depois do Concilio se fala muito sobre como aumentar a participação dos fiéis na liturgia e isso é certamente um aspecto muito importante. Por isso se pensou em o que fazer para que os laicos possam participar mais ativamente e intensamente da liturgia. O participar, compreende essa liturgia, quer dizer a maneira de celebrar e de participar da Missa como um ato de adoração. Depois do Concílio há uma grande separação entre a adoração eucarística e a celebração da Missa. Hoje temos um despertar da adoração eucarística fora da Missa. Para mim é muito importante que reconheçamos de novo que a eucaristia é o ato fundamental da adoração. A segunda coisa diz respeito a todo o aspecto do sacrifício eucarístico, que na Santa Missa, depois do Concílio, foi um pouco negligenciado. É dito que a eucaristia é, principalmente uma ceia e não um sacrifício. Aqui temos um conflito e uma ruptura entre duas concepções diversas e isto não é correto.

GP – Na mídia o Santo Padre é visto como um tradicionalista que quer levar a Igreja aos tempos que antecederam o Concílio. Diversamente, Sua Excelência sustenta que o Papa Benedetto XVI seja o “maior intérprete do Vaticano II”. Qual é a verdadeira atitude do Papa em relação ao Concílio Vaticano II?
Há dois equívocos. O primeiro fala da hermenêutica de continuidade do Santo Padre, porque, diz-se que seja um tradicionalista, mas ele não tem uma hermenêutica de continuidade, mas a hermenêutica da reforma. Infelizmente, graças também a Hans Küng , a opinião difusa é que seja atualmente em vigor a hermenêutica da ruptura. É por esse motivo que as pessoas pensam que na realidade a hermenêutica da reforma levará de volta a Igreja aos tempos antecedentes ao Concílio. O Santo Padre, contrariamente, não quer de maneira alguma ir para trás e não que começar uma falsa hermenêutica do Vaticano II.

GP – Porém os atos papais do Motu Proprio Summorum Pontificum e a revogação da excomunhão dos quatro bispos lefebvrianos reforçaram essa opinião, tornando-se assim objeto de fortes críticas. Qual é o significado desses atos papais? Porque essas decisões?
A hermenêutica da ruptura diz que todo o rito tridentino é uma Missa velha, depois do Concílio temos uma Missa nova. Mas na história nem sempre foi assim, há sempre uma evolução contínua na liturgia. O problema se apresenta sempre da mesma maneira durante os séculos: quando a liturgia foi renovada pelo Papa Pio V depois do Concílio de Trento, que porém havia estabelecido que todos os ritos mais velhos do que 200 anos poderiam permanecer em uso. O Santo Padre quis, de fato, que a reforma da liturgia de João XXIII, de 1962, não fosse somente uma coisa do passado, mas também uma herança para o presente e para o futuro.

GP – Qual é a verdadeira contribuição de Bento XVI na elaboração da nova liturgia? Como o então professor Joseph Ratzinger escreveu o famoso livro sobre a liturgia, Lo spirito della liturgia (O espírito da liturgia)?
Creio que tudo dependa da cristologia do Santo Padre, porque a liturgia depende da cristologia. Se Jesus fosse somente um homem que viveu há dois mil anos, o que faríamos da liturgia? Se como cristãos acreditamos, diversamente, que Cristo é Filho de Deus, morto e ressuscitado por nós, então na liturgia há a Sua presença e a celebração é feita em memória d’Ele. A liturgia, em primeiro lugar não é uma ação dos homens, mas a ação do próprio Cristo presente na liturgia. Esse é o primeiro ponto.

O segundo é que há uma grande unidade e continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento. No Antigo temos o culto do templo, o Novo Testamento diz que o próprio Cristo ressuscitado é o novo templo. Por isto não temos mais o sacrifício dos animais, mas temos um sacrifício muito pessoal. O sacrifício do Novo Testamento é Jesus Cristo que dá Sua vida por nós e essa é a nova dimensão do sacrifício, que deve estar presente na liturgia da eucaristia.

O terceiro ponto é que a visão teológica da liturgia vista pelo Santo Padre é uma liturgia cósmica. Hoje temos algumas vezes a impressão que a liturgia seja uma ação da comunidade presente. Mas para o Santo Padre a liturgia tem uma dimensão cosmológica e também é a ponte entre liturgia celeste e liturgia terrena. Neste sentido o Santo Padre disse que a direção preferível para celebrar a Missa é voltado para o leste. Ele quer renovar essa dimensão cosmológica da liturgia. É claro que não podemos mudar os altares de novo. Por isso o Santo Padre disse que é necessário colocar pelo menos um sinal do Crucifixo sobre o altar, de modo que seja visível para o sacerdote e para os fiéis, para lembrar, através da eucaristia, que o Cristo crucificado também ressuscitou.

GP – Pela primeira vez Sua Excelência participou do Ratzinger Schülerkreis e “tornou-se” aluno de Ratzinger: O “L’Osservatore Romano” em um breve artigo citando suas palavras disse que foi uma “experiência concreta, viva, positiva”. Também para nós, Sua Excelência pode descrever como era a atmosfera de um dia passado junto ao Santo Padre com seus ex-alunos?
Era uma atmosfera muito cordial e muito aberta. O Santo Padre participava pessoalmente durante o dia todo das conferências e das discussões. Ele escutava muito atentamente e, concluídas as intervenções, havia uma discussão na presença de seus 40 estudantes. Bento XVI ama a discussão. Tive porém um pouco a impressão que houvesse ainda uma atitude de “professor”. Não posso mais tornar-me um seu aluno porque nunca fui no passado, mas tenho uma ótima relação com esse Kreis. Foi criado um segundo círculo de novos alunos para o aprofundamento da teologia do Santo Padre. São teólogos muito jovens e muito apaixonados e contentes de estudar a teologia do Santo Padre. Estudam e aprofundam temas diversos: da política à tradição de continuidade, à liturgia.

Fonte: Fratres in Unum

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