quinta-feira, 9 de outubro de 2025

 

DILEXI TE: primeiras impressões

 Juliano Alves Dias


Ao terminar de fazer uma primeira leitura sobre a Exortação Apostólica de Leão XIV, acerca do amor para com os pobres, faço algumas considerações:

 

1.      A exortação é uma herança de Francisco, um documento a quatro mãos, ou até mais, pelo que se pode depreender de um possível método de bricolagem.

2.      No início do documento, a começar pelo seu título, há diversas citações bíblicas que foram retiradas de seus respectivos contextos e se perderam em meio a tentativas de alegorias para situações hodiernas.

3.      A exortação amplia o conceito de pobreza, incluindo questões culturais e, em diversos momentos, chama a uma análise cristocêntrica do problema da pobreza.

4.      O miolo do documento é sua melhor parte, riquíssimo na história bimilenar da Igreja, apresentando, em uma linha do tempo, a ação da Igreja, com citações das Escrituras, da Patrística, dos fundadores de ordens religiosas e suas atuações, movidos pela Caridade Cristã. É possível notar uma comunhão dos santos ao longo dos séculos, desde a escolha dos sete diáconos até a atuação das Congregações Religiosas fundadas no século XIX em benefício da educação dos pobres (é triste constatar o estado em que se encontram essas mesmas Congregações hoje em dia, grande parte sem vocações, com colégios fechados e perdidas de seu sentido fundacional).

5.      Sua parte final é carregada de citações de documentos emitidos por Francisco e é aqui, mais uma vez, que se tem a impressão da bricolagem. Os documentos de Francisco eram sempre autorreferenciais. Os trechos finais dão essa impressão.

6.      Certos problemas apresentam-se, então:

a.      Assume-se um posicionamento político-ideológico que ecoa o populismo latino-americano de Francisco.

b.      Não se denuncia o uso da pobreza por certos partidos e entidades que atuam na política.

c.       Não se denuncia políticos nem governos que fazem aumentar a pobreza tornando a população mais dependente do Estado e de suas promessas. (Há apenas uma citação de Bento XVI que tange de leve esse tema, sem aprofundá-lo nessa exortação).

d.      Não se denuncia as religiões-políticas que usurparam o papel do Cristianismo na Educação e na Caridade Hospitalar e, acabaram por engendrar um culto ao Estado através de seu assistencialismo.

e.      A questão da migração é apresentada de forma ingênua com uma tentativa de comparação indevida entre a emigração europeia do século XIX e imigração para a Europa nos dias atuais. Desconsidera-se que as ordens religiosas que se dedicaram àqueles migrantes visavam manter a fé cristã e que, hoje, não são cristãos que entram na Europa e, muito menos, há pretensão de cristianização desses migrantes e refugiados. A ingenuidade reside em não se atentar para o fato de que a Europa caiu no laicismo e multiculturalismo, está em um inverno demográfico e recebe em seu seio grupos que em cinquenta anos serão a maioria e colocarão à margem da história o que Carlos Martel e a Cristandade conquistaram. Faltou uma análise realista do problema em pauta. Caridade e Verdade deveriam estar juntas na ação da Igreja. Essa não deveria atuar como mais uma, entre tantas, ONGs. Confunde-se caridade com assistencialismo.

f.        Corre-se o risco de ser instrumentalizada, não toda, mas certos trechos, por certos partidos políticos de interesses escusos ao Cristianismo.

g.      Ainda em seus trechos finais, nota-se muitas citações das Conferências do Episcopado Latino-Americano: Medelin, Puebla etc. Aqui, pode-se achar até alguns problemas teológicos, como a ideia de “Pecado Social” (quem peca é o indivíduo, só ele pode se arrepender e confessar-se).

 

Para concluir, a exortação apostólica, cujo objetivo é convidar o povo a viver o Evangelho com novo ardor, apresenta bons pontos, principalmente, no que tange à tradição da Igreja, à identificação do pobre na pessoa de Cristo, no impulso à caridade, na compreensão de que a fé sem obras é morta. No entanto, apresenta análise rasa sobre alguns problemas sérios, com forte tendência a repetir o mainstream sem a devida análise crítica de conceitos empregados. Repito, o texto soa como uma bricolagem, vários recortes colados tentando encontrar um sentido que muitas vezes se perde em citações descontextualizadas e anacronismos.